Vingança ao contrário

Vingança ao contrário

Seu Madruga é sábio ao dizer que a “vingança nunca é plena, mata a alma e envenena”, mas existe um tipo de vingança com efeito contrário.  O vingador esquece todo motivo da tramoia e passa a amar quem o feriu. Não me lembro de nenhuma vez que tenha resultado no objetivo inicial, o de acabar com o outro. A de batizar cães, bois e vacas com o nome do desafeto.

Há muito o cão é o melhor amigo do homem. Daí, alguém compra um cachorro, logo lembra de quem fez uma cachorrada com ele e pronto – tá escolhido o nome do animal. Só que bicho tem o dom de se tornar da família fácil e o amor do dono logo se transfere para o xará outrora mal quisto. Normalmente, não é uma mágoa das mais profundas, difícil de curar, já que no fundo todo mundo sabe que os cães se mostram ótimas companhias. Além disso, ninguém quer pronunciar o nome do inimigo por anos. Fato é que o cão desfaz qualquer desarranjo e coloca amigos, irmãos, mais próximos ainda.

Minha avó batizou a bezerrinha mais nova de Mel, o nome da minha irmã, por ela enrolar de ir na casa dela. É evidente que ela não tem raiva da neta, mas um amor enorme, só quer que fique mais perto. Gosta demais também das “criação”, uma vez achamos até que teríamos que levá-la ao hospital por causa da morte de uma das vaquinhas. Ela nunca iria batizar uma bezerra com o nome de alguém que ela de fato não gostasse.

Por isso que nunca me ofendo quando descubro que alguma cadela se chama Talita, sei que o dono podia até guardar algum rancor de uma xará minha, que, certamente, foi desfeito com o companheirismo da Talita. Na minha família, uma vez, a Carol colocou o nome de Alê em uma cachorrinha e a Alê de Carol em uma vira-lata que nasceu meses depois. Ninguém tinha raiva de ninguém, mas não deixaram de pensar que era desaforo. É meio estranho mesmo se pensarmos como os outros que irracionalmente dizem que alguém é cachorro quando não é bom sujeito, mesmo com os cães revelando-se excelentes amigos.

Até fui tentar entender o porquê do xingamento. Descobri que antigamente os cachorros eram selvagens, por isso, de fato, difíceis. Ficou o ranço, apesar das mudanças. Vaca eu também busquei, mas não encontrei porque chamamos desafetos de vacas. Certo é que em vez de humilhado, quem tem um nome atribuído a um bicho, deve é celebrar. Sinal de que o amor por ele vai aumentar e qualquer episódio estranho, esquecido ou lembrado sem dor.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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