Uma mãe não morre

Uma mãe não morre

Hoje a tristeza tomou conta da tarde e invadiu a noite, vai varar a madrugada. A mãe de um amigo, desconhecida, partiu. Apesar da ausência de contato, parecia que era alguém da minha família e eu não entendi a princípio porque fiquei tão abalada. Nos primeiros minutos me vi paralisada, em choque, sem acreditar, depois veio o choro quando comentei com meu pai. Ela não era da família, mas a situação é familiar, logo lembrei e revivi alguns dos momentos mais tristes da minha história e senti ainda mais a dor dele.

A morte da mãe do meu amigo veio de repente, em uma tarde de sábado, sem anúncio prévio. Domingo, ela iria cozinhar para o marido e filhos, penso. As mães são particularmente muito parecidas, como bem diz o ditado, e não é difícil imaginar como ela era, alguns dos hábitos. Com certeza, a mãe do meu amigo era uma das pessoas que mais torcia por ele, pelo que conheço do mais novo órfão, com mais de trinta anos, ensinou valores inesquecíveis e o educou para ser uma pessoa especial, como é para mim.

Como elas são todas iguais, sei que são eternas, muito mais fortes que esse mundo. A minha fala comigo todo dia, principalmente quando me encontro tensa, indecisa. A voz chega com todos conselhos e broncas que preciso. E foi justamente sobre esta dura-doce eternidade que falei com meu amigo, tenho certeza que ele não estará sozinho quando precisar de uma palavra de mãe. Recuso-me a acreditar que elas nos colocaram no mundo para deixarem de nos lembrar do que é importante. Não falo aqui sobre contatos com o mundo espiritual, e sim de ensinamentos anteriores à partida, basta abrir o coração que eles chegam. Depois que chegamos nos consideravam a parte mais importante e não é a morte que vai colocar todo trabalho a perder.

A mãe do meu amigo devia ser uma mulher cheia de planos. Só que o fim da vida pouco se importa com planos, sonhos, dos mais simples aos mais marcantes, chega quando tem que chegar mesmo. Eu me lembro bem, sempre dizia a minha mãe, no leito do hospital, que esperava pela saída dela para me casar. Adiei a primeira data por causa da cirurgia e sabia que o pior poderia acontecer, teimava em discordar dos médicos, preferia acreditar em Deus. Após 16 dias de internação, a vida levou minhas esperanças de tê-la aqui por mais tempo. Menos de um mês depois disse sim para uma nova fase. Não foi fácil, porém eu precisava, por questões burocráticas e para provar, a mim mesma, que eu tinha de continuar, como ela queria.

Aliás, a parte burocrática logo após a morte parece existir para nos lembrar que o mundo daqui pouco espera. Eu, meu pai, minha irmã, esperamos embaixo de uma árvore do hospital, aflitos, a liberação de documentos, do corpo, da chegada do translado. Providenciamos flores e tudo mais que a ocasião exige. Na despedida optamos por não demorar, ela falava que não gostava de velórios à noite e nós, após 16 dias sofridos de melhoras e regressões de quadro, fomos nos despedindo, dolorosamente aos poucos, mesmo sem enxergar o que iria acontecer.

Nestes 1 ano e 5 meses vi que a força vem quando precisamos, Deus não nos abandona e revigora.

Eu não disse muito ao meu amigo. Quando a morte chega ficamos impacientes, à princípio, principalmente com muitas palavras. Porém, eu fiz questão de falar o essencial: as mães são eternas, mãe não morre, e estou em oração por ele, pela família.

Uma mãe não morre. A promessa de que sempre vão nos ajudar é cumprida, quando precisamos delas as palavras chegam, basta estar com o coração atento.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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Você tem 2 comentários
  1. Juliana Araújo at 22:26

    Nossa, não gosto nem de pensar como vai ser o dia em que eu vou ter que lidar com essas situações! A mãe de uma amiga minha morreu ano passado, fiquei muito surpresa, foi muito inesperado, mas o que pude fazer pra mostrar que estava do lado del a para consolá-la fiz, embora tivessemos perdido um pouco a aproximação…
    Parabéns pelo blog
    bj

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