Um adeus de avó atípico

Um adeus de avó atípico

O adeus da minha avó Maria era úmido. Ela sempre se despedia de mim com lágrimas nos olhos, como se fosse a última vez que nos víssemos. Era assim mesmo quando eu morava em Ibitira e almoçava por lá todo domingo. Às vezes nosso reencontro nem precisava esperar os 7 dias, nos víamos na rua, já que a cidade é pequenininha. Eu nunca fui de pedir “bença”, mas eu sei que aquelas lágrimas me abençoavam.

Da última vez que a vi, ela fez diferente. Em vez de chorar se despediu gargalhando de mim, rindo de balançar, como gostava de dizer. Era dia das mães e como toda minha família estava na casa da vó Rita me deu uma vontade danada de vê-la. Peguei a bicicleta, disse que tinha que pegar algo em casa e de lá fui ver a vó Maria.

Ela e o vô Toninho pareciam estar em constante espera por visitas. Ele se sentava no murinho da casa e ela colocava a cadeira ao lado. Foram raras as vezes que precisei de chamar pelos dois, já estavam lá, prontos para minha chegada. Naquele dia, lá estavam eles, esperando visita de domingo. Eu, como sempre, cheguei cheia de causos e desabafos. Na época, minha paciência com as repúblicas já se esgotava. Falei pelos cotovelos.

Fiz planos de morar sozinha e disse pra vó que no dia que isso acontecesse eu ia dar uma festa só pra mim. Ia ter tudo que tenho direito: muita bebida, som alto. Eu iria dançar até minhas pernas não aguentarem mais. Era capaz de os vizinhos chamarem a polícia e os PMs se assustarem quando vissem a festa de uma pessoa só.

Ela ria a cada palavra dita, nem conseguia falar nada. Quando fui embora, já esperando lágrimas do típico adeus da vó Maria, ela gargalhou mais e mais. Repetia meus planos. Eu falei: “e sabe qual será o prato, vó?”. “Frango, porque aprendi a picá-lo com a senhora e é o que faço de melhor”.

Entre um risada e outra ela me abençoou, disse que desejava que logo logo eu voltasse lá para contar como havia sido minha festa. Eu não a encontrei mais, foi nosso último adeus, um adeus de avó atípico. Minha mãe sequer teve coragem de me contar que a vó havia morrido, sabia o tanto que eu ficaria triste.

A festa de uma pessoa só existiu na nossa conversa também. A nossa prosa foi a festa inteira, sem bebida, frango ou som alto, apenas com risos. Um adeus feliz, que só no mês seguinte veio com lágrimas. Um último encontro inesquecível, embora ela estive sempre me esperando e sempre se despedindo. Hoje espero o reencontro que vai ter sabor de domingo com risos de balançar, festa de duas pessoas só e cheiro de frango na panela.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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