Sorriso na chuva bonita

Sorriso na chuva bonita

Quando chovia minha mãe abria todas as janelas rodeadas por varandas. Era para deixar o cheiro da chuva entrar e admirá-la. Gostava de ficar na janela que dava pra frente do jardim. Abria um sorriso, colocava os olhos grandes em mim e falava: “Chuva bonita!”. Ficava um tempo com o olhar na chuva, escutava, cantava hinos de louvor e descobri que até se deixava molhar nela vez ou outra.

Meu pai contou que se transformava em uma menina, ia para o jardim, voltava para casa molhada e ia direto tomar um banho quente. A chuva deixava minha mãe leve, de alma lavada, voltava a ser criança… A chuva transformava minha mãe, aquela mulher preocupada, em poesia.

Quando a chuva tardava, a estiagem se prolongava, ela sempre pedia para chover. E falava que Ibitira e Martinho Campos eram os últimos lugares em que a chuva chegava. Eu nunca discordei. Mais do que por respeito, era porque nas palavras dela havia uma verdade seca e dura.

– É, a chuva fica rodeando Ibitira, é o último lugar que chove. Chove em Pitangui, Alberto Isaacson, em tudo em quanto é canto pra depois, por último, chegar aqui. Tá chovendo em tudo em volta – falava com razão.

Cinza era esperança para ela, mais do que verde, pois o verde vinha depois. Quando nublava ela já falava que o dia estava bonito, adorava dizer que fazia um mormaço de chuva, que aquele calor todo era para chover depois. Prestava mais atenção à previsão do tempo do que em todo resto do jornal. Comentava que chuva era boa para florir o mundo, enxergava a colheita dos produtores, a comida na mesa.

Chuva era mais que boa. Chuva sempre era bonita para minha mãe. Mansa ou torrencial com relâmpagos, beleza era o que os olhos de minha mãe viam na água que deixava nossas flores mais bonitas.

Hoje, sem minha mãe aqui, consigo vê-la lá do céu com um sorriso chuvoso. Também abro a janela e observo meus cactos e suculentas plantados por ela, no meu apartamento, uma pequena parte do nosso jardim na casa de Ibitira. Começo a repetir o que ela dizia, os mesmos gestos.

A chuva tornou-se acalanto. E igual a ela, também abro um sorriso, fico na janela e pergunto: “Chuva bonita, né mãe?” – e de algum lugar me responde com um sorriso que só eu vejo. Porque mãe, mãe não morre nunca.   cactos

Fotos: a imagem de capa do texto é parte do jardim que minha mãe olhava, a foto acima são dois dos seis vasos de plantas que ela me deu quando me mudei para meu apartamento.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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Você tem 5 comentários
  1. Karine Fernandes at 15:36

    Nossa que lindo, hoje o dia esta chuvoso na minha cidade e desde pequena eu também sou doida com chuva e uma delicia.
    Agora: Mãe não morre nunca!
    Foi o auge. Parabéns.

    Beijos

  2. Heloísa G. A. at 22:10

    Que lindo texto Talita. Mãe é sempre! Nunca duvidei disso, sinto muito pela perda terrena da sua mãe. Quanto a chuva, gosto apenas da chuvinha mansa que vem no fim da tarde naqueles dias quentes demais. Mas de chuva pesada, tenho medo.

  3. superbiazinha at 22:24

    Que recordação bonita você ficou da sua mãe,deve doer,mas tenho certeza de que nos dias de chuva você sente ela perto de você.Acho tão lindo as pessoas que admiriam as pequenas coisas da vida,o que para muita gente seria um incômodo,para ela era lindo e admiro isso.

    Lindo texto..

    bjsss

    Apaixonadas por Livros

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