Medo

Medo

Acordou de súbito, assustado. Que sonho vívido era aquele? Parecia real!

Era perseguido por uma entidade desconhecida, mas que avançava contra ele como a querer arrancar-lhe os ombros fora. Nunca vira nada do tipo, e acordou suando de medo. Tão logo começou a se acalmar e se dar conta de que tudo daquilo passava de nada mais além de um sonho, foi relaxando o cérebro e sentiu – sim, sentiu – diminuírem as batidas do coração.

Percebeu que tinha sede e decidiu descer para beber água. Você já experimentou sair do quarto, da cama, depois de um pesadelo com assombração? Não é facinho assim, né?

Mas ele foi! Devagar, botou os pés no chão, achou as havaianas e se levantou. Passo a passo foi até a porta, abriu e seguiu para o corredor. Só aí acendeu a primeira luz. Ainda sentia um calafrio enquanto andava, como se o fantasma horrendo do sonho ainda o seguisse. Chegou ao topo da escada, segurou no corrimão – as palmas ainda um pouco suadas – e desceu.

Eram poucos degraus de uma escada de metal em espiral. Passou pela sala de estar e foi até a cozinha. Ali, acendeu outra luz e pegou um copo na pia.

Enquanto enchia de água do filtro elétrico, revivia parte do sonho: Acabara de entrar no quarto, segurando um copo verde de plástico, cheio de coca-cola, quando sentiu um calafrio. Sem entender direito de onde viera, decidiu fechar a janela e levou um susto. Foi como se um vulto preto entrasse por ela, quase fazendo-o desequilibrar.

Ele abanou a cabeça como para afastar a sensação estranha, atribuiu-a à leve labirintite que às vezes aparecia. Fechou a janela e sentou na cama. Foi quando viu a porta do quarto aberta, mas tinha certeza de que havia fechado-a. Estranhou, mas resolveu fechar de novo. Chegando no portal, viu a luz do banheiro superior acesa.

Deixou o copo, já vazio, na mesinha do computador que beirava a porta do quarto e foi lá desligar a luz. Caminhou pelo corredor comprido, passando ao lado da escada em caracol.

Esvaziou o copo de água ainda com o reflexo da luz do banheiro vívido na cabeça. Encheu de novo e bebeu mais. Depois colocou-o dentro da pia, decidido a lavá-lo depois.

Começou bem devagar a voltar outra vez para o quarto. Enquanto subia as escadas, continuou rememorando o sonho:

Chegou apenas na porta do banheiro e, de lá, sem entrar, enfiou a mão lá dentro para tatear e desligar o interruptor. Feito isso, virou-se de uma vez, e foi aí que o corpo dele inteiro gelou.

Um par de olhos muito vermelhos e sem corpo o encarava. Existia somente uma silhueta escura que circundava os olhos ameaçadores. Quis gritar, mas o som ficou preso na garganta. No primeiro impulso que conseguiu ter, avançou aos trancos em direção ao quarto, tentando desviar da figura que pairava à sua frente. Na passagem, sentiu algo como uma mão com garras se levantar para segurá-lo.

Em pânico, cruzou novamente o corredor, porém ao invés de descer as escadas, entrou no quarto. A criatura vinha em seu encalço e chegou a tocá-lo no ombro assim que ele passou pela porta.

No instinto de afastar o ser, meio que começou a se debater e acabou trombando na mesinha que ladeava o portal. O copo que ali estava virou, mas não caiu. Ficou seguro na beiradinha. Foi aí que ele acordou.

Logo que passou pela porta, sentiu novamente o calafrio. Distraído, não deu importância. Por isso foi direto para a cama, sem notar um copo verde tombado na mesinha – e um par de olhos vermelhos no escuro.

Escritor por Simião Castro Veja todos os textos deste autor →

Simião é jornalista, repórter de política, escreve contos e crônicas. Também conta histórias em áudio, vídeo, o que você pedir, é produtor multimídia, saca um pouco de tudo. “Eu tento ser um jardineiro das palavras, um aventureiro das sílabas. Duvido de tudo e prefiro assim! As certezas me assustam. Quem tem certezas demais também”.

Oi, o que achou do texto de hoje?

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *