Sonho

Sonho

Raramente encontro minha mãe nos meus sonhos. Via de regra nunca me lembro do que ela fala, me recordo somente das imagens. A maioria são sonhos bons, aqueles que me dão a certeza boa de que ela está no paraíso. Numa das vezes, se encontrava no jardim da nossa casa que, não tenho dúvidas, era o céu na terra para ela. Apenas em um dos sonhos a vi em apuros, encarei como somente um sonho, sem nenhuma mensagem por trás, preferi assim, lembrar dela nos paraísos que foram cenários dos nossos outros encontros oníricos.

Porém, foi o último que me disse mais sobre como ela está agora e de que forma está na minha vida, foi um sonho real. Em todos os lugares que eu ia minha mãe aparecia. No ponto de ônibus, na fila do banco, em casa – depois partia em instantes. Ficava em silêncio, falava com os olhos grandes e expressivos que sempre teve, com o sorriso marcante, com o corpo todo, menos com a voz. Eu não me incomodava com a aparição ser rápida, como vultos às vezes.

E tem sido mesmo assim, ela aparece em todos os cantos.  Encontro com minha mãe em vários lugares. Abri um texto para revisar hoje e o título era “Dona Neusa”, quem duvida pode ler a próxima Xeque Mate que verá que digo a verdade. Fala sobre uma mãe, não a minha, mas ali ela apareceu, no nome de uma xará, tão especial quanto a minha Neuza. A vejo em todos os dias de abril, mês do aniversário e até em textos sobre promoção das Mães encomendados, frios, comerciais, comovo-me com essas linhas que têm o único objetivo de vender. Os cabelos encaracolados também a trazem, fico feito boba perto de uma cacheada, na esperança de ela virar e ser minha mãe.

 São encontros mudos, como nos meus sonhos. Ela não diz nada, aparece em cada esquina, data, texto… É mais que um vulto – frequente, cheio de vida, história…

Nunca tentei tirá-la do pensamento, o desafio sempre foi lembrar com ternura, sem sofrimento. Tenho conseguido cada vez mais transformar a lembrança em vibração positiva, mas quando a tristeza vem eu não brigo com ela. Na verdade,  até no fundo da recordação mais doce existe um pouco de angústia, um sentimento que aprendi a conviver e que de vez em quando ainda me deixa mal.

Deixaria mais ainda se eu não a visse pelas ruas, nos meus sonhos, na minha vida. Mãe é pra lembrar, pra fazer viver, pra sempre.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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