Sonho de ser paquita: o X da questão

Sonho de ser paquita: o X da questão

Meu cabelo preto nunca me deixou sonhar ser paquita, apesar de que querer, eu queria muito. No entanto, só as loiras podiam ter alguma esperança, pelo menos até 1995 quando começaram a deixar morenas serem assistentes da Xuxa. Essa primeira exigência da rainha dos baixinhos foi o suficiente para eu defender Mara Maravilha com unhas e dentes. Até dizer que eu detestava a Xuxa eu dizia. E não era só eu a sabotada pelo cabelo. Sei de muita morena que roubou o descolorante da mãe para tentar realizar o sonho, ou pelo menos se enquadrar no perfil paquita. O máximo que conseguiram foi um cabelo verde com aspecto de palha e umas boas palmadas. Eu não chegava a tanto, sabia que meu cabelo preto, iguais aos de uma índia (na cor), nunca ficaria loiro, pelo menos do modo caseiro, com água oxigenada.

Preferi valorizar o que tinha, mesmo que o desejo de ser paquita, impossível, ficasse lá no fundo da alma. Eu até gostava da Mara mesmo e dela eu podia ser assistente de palco. Além disso, as outras apresentadoras eram todas loiras: Angélica, Eliana… Eu gostava de vê-la por ter alguém mais “parecida comigo”. E depois descobri o Castelo Ra-tim-bum, Mundo da Lua, Punk, Doug e tantas outras atrações que mexiam mais comigo do que a Xuxa. Ser amiga dos personagens, como o Nino também era boa ideia. Encontrar o Lucas Silva e Silva e quem dirá construir uma casa na árvore (igual a Punk tinha), como tentei, ainda mais. Para nada disso, o cabelo loiro era pré-requisito, ainda bem! Só começaram a aceitar morenas no Xuxa Park quando para mim o sonho já não fazia sentido mais. Das 29 paquitas, 3 foram morenas. Mesmo sem ter realizado nenhum dos desejos, eu pude sonhar, como deram asas a imaginação as meninas loiras que tinham certeza que um dia estariam ao lado da rainha desde sempre. Pouquíssimas chegaram lá, mas sonharam, não foram impedidas.

paquitas new generation

A New Generation admitiu morenas como paquitas. Nesta época, meus sonhos já eram outros

Fico pensando se o Xou da Xuxa fosse hoje. A sociedade politicamente correta jamais admitiria que ela barrasse as morenas, ruivas e black power, desde o início as morenas e ruivas poderiam se candidatar. Tenho certeza que existiria todo um movimento que a acusaria de racismo, enquanto na verdade seria uma questão de chatismo, como muitas questões são. Imagina só. Nem sei como até hoje ela ainda não foi acusada de ter traumatizado tantas meninas. Eu até concordo que o cuidado na infância deve ser grande mesmo, mas na minha época era um pouco diferente. Além disso, o racismo está em várias outras questões sutis, mais importantes e que pouco se discute, entretanto isso é assunto para outro post. As pessoas não achavam tanto cabelo em ovo.  As que já tinham idade (ou coragem) para mudar a cor do cabelo iam em frente com o sonho, as que não precisavam se conformar e encontrar outros desejos até que decidissem mudar as regras.

O fato é que o sonho de ser paquita mudou muito cabelo por aí e fazia muita cabeça, pois só de 95 em diante aceitaram morenas. Ah se fosse hoje… A Xu teria que abrir vagas para todas as cores a partir do fim dos anos 80. Aí o concurso do programa seria mais disputado do que concurso público, tenho certeza!

 

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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