Síndrome do canil vazio

Síndrome do canil vazio

Marieta era como todas as outras mães. Quando um filho fazia as malas ela ficava sem dormir por dois dias, chorava por alguns meses e depois se acostumava. Da primeira vez que um deles foi embora, Marieta foi ao médico e descobriu na terapia que tinha um nome para isso: síndrome do ninho vazio. Os anos passaram e quando o sexto dos 10 filhos foi embora ela não mais chorou, havia se acostumado. Porém, quando o último criou asas ela sofreu como se fosse a primeira vez.

Marieta estava sozinha, ou como ela gostava de dizer: só com Deus e com os bichos. Morava em um sítio, com algumas cabeças de gado, galinhas e cachorros. Sofria quando os animais iam embora também, entretanto, a morte dos cães era a mais dolorosa. Eles a acompanhavam nos afazeres, uma das cadelinhas dormia até dentro de casa. Era com eles que ela falava quando nenhum dos filhos atendia ao celular ou estava por perto. E quando o pior acontecia ela falava:

— Quando todos morrerem não vou arrumar mais nenhum, a gente pega amor demais nos cachorrinhos e depois sofre.

Só que antes que a cachorrada acabasse ela se rendia a um outro. Nunca ficou com dois ou três cães, eram sempre 5, 6.

Houve um inverno que a cinomose começou a levar um monte de cachorro da comunidade. Ela rezava um rosário toda noite e pedia a São Francisco para os cachorrinhos não serem atingidos. Quando descobriu que uma vez contaminado o bicho tinha que ser sacrificado, fez foi uma novena inteira para o santo protetor dos animais. E todo dia ela agradecia ao ver seus cães saudáveis pelos terreiros.

Só que não teve reza que chegasse, a Fada, cadela do tipo caçador, começou a andar descadeirada. Logo ela que atravessava a represa todo dia condenada a ficar paralítica e à morte. Foi aí que Marieta começou a lutar contra sacrifício da cachorra. A carrocinha passou e ela falou que estava tudo bem. Mentalmente respondia: quando ser humano fica sem andar ninguém tira a vida dele, vou deixar fazer isso com a Fada não.

Era este mesmo argumento que ela usava com veterinários, quase todos afirmam que a cachorra jamais teria uma vida normal novamente. Mas uma amiga veterinária ficou com dó de Marieta, recomendou dar alguns medicamentos para ela, entretanto pensava que seria inútil. E Marieta tomou outras providências que pensava funcionar. Todo dia de manhã mexia com as patinhas da Fada e a colocava para tomar banho de sol.

Às vezes nem Marieta acreditava no que fazia, mas ficar sem a Fada era como ver um filho partir para longe. A saudade doeria demais, era como se fosse a síndrome do canil vazio toda vez que perdia um. De tanto tentar, a cadela começou a se mexer arrastando pelo quintal. Marieta pegou o telefone e fez questão de contar para todos os veterinários incrédulos . Com o tempo, ela começou a dar passos lentos e anos depois já conseguia dar pequenas corridinhas. Só a água da represa que ela ainda não encarou. Porém, virava e mexia ela ficava na beira.

E Marieta só pensava: a gente pega amor demais nos bichinhos, dói quando se vão, ficam doentes, mas do que vale essa vida sem amor?

 

 

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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There is 1 comment for this article
  1. Caroline at 18:45

    Nossa me mexeu muito com esse texto :'( Sou mãe e tenho 2 cachorros (1 esta velhinho é meu primeiro cachorro) só de imaginar eu choro e quando meu bebê crescer e ir embora.. é a vida né.

    Parabéns pelo texto

    Beijos

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