Recompensa diária

Recompensa diária

Sempre ouvi que a recompensa vem depois de muito trabalho. Para ver o lado bom de todo esforço, noites em claro, semanas em que o sábado e domingo se tornassem dias úteis seriam necessários sem que eu me desse uma colher de chá de segunda a sexta para compensar as imensas horas extras madrugada afora.

Porém, eu aprendi a desafiar o “sempre”, o que todo mundo diz. Foi a falta de sentido em trabalhar arduamente que fez as interrogações surgirem nessa afirmação da recompensa só vir no final. Uma prosa com amigos que pensam diferente da maioria e o início da terapia também tiveram a ver com minhas indagações do que parecia consolidado. Uma tristeza profunda e sintomas físicos contribuíram para que eu me perguntasse se a recompensa só deve estar no final.

E quando seria esse fim? Eu passei a me perguntar obcecadamente! Daqui a 10 anos? Quando eu me aposentasse? Nossa, quanto tempo eu teria que suportar noites de insônia, dores musculares e o peso de uma vida em que só o trabalho tem vez.

Mas mesmo com a desconfiança de que o fim estava longe demais para eu encontrar a recompensa, passei meses sem saber se valia a pena desistir do caminho que grande parte segue. Porém, quando começou a doer na carne pra valer, eu tive que dar o braço a torcer.  Mandei um “foda-se” para a minha natureza doentia workaholic e me propus a diminuir as cargas. Eliminei tudo que destoava do meu propósito mesmo que eu gostasse. Sim, tive que abrir mão até do que eu curtia. Eu gostava de muita coisa, mas para ter uma vida mais equilibrada precisava focar no que eu amava e não apenas no que gostava. Eu também sentia que fazia muita coisa e me doava menos do que podia para cada pessoa que confiava em mim ao assinar um contrato.

Depois de cortar até afazeres gostosos, meu dia começou a parecer ter mais horas. E sabe o que é mais impressionante? As recompensas tornaram-se diárias! Sou recompensada quando consigo me levantar no mesmo horário de antes, mas em vez de deixar o estresse me invadir, faço exercícios, tomo um banho e só depois me sento no computador. Sou recompensada quando um amigo me chama para um café e posso ir.

Também parei de tomar meu fitoterápico para dar uma acalmada nos nervos. O sono agora chega sem precisar de chá, série da Netflix, contar carneirinhos ou comprimidos (que eu contava mesmo, pois só um não resolvia)… Eu faço minha caminhada agradecendo ao universo poder, pela primeira vez, escolher quais trabalhos realmente quero fazer. Me sinto recompensada em todos esses momentos e em muitos outros! Assim, o aqui e agora tem valido a pena. Meus olhos brilham ao ver o presente, miram o futuro sim, entretanto, com a felicidade de viver o hoje exatamente como é.

Claro que há alguns dias em que preciso trabalhar por horas a fio e os problemas surgem. Só que meu corpo e mente sabem que poderei dar um tempo depois. Fico imersa quando preciso fazer esse esforço maior e isso nunca deve mudar. Quando não é necessário, tenho a tranquilidade de viver o tempo, e não matá-lo como muitos diriam, com uma boa leitura, uma conversa despretenciosa ou até uma soneca.

Tenho recusado algumas demandas com a consciência de que eu poderia até ter mais dinheiro se dissesse sim para todas as propostas. No entanto, só encontraria recompensa no final – um final que sei lá quando chegaria e se um dia chegaria. Convenhamos, nunca se sabe quanto tempo temos aqui (sad, but true). Certamente, o sentido do que faço também se perderia em sims ditos a contragosto. Eu quero ser recompensada diariamente e sou porque assim eu escolhi!

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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