Batalha contra as horas

Batalha contra as horas

O tempo é um menino travesso, corre com o desatino de quem se acaba a todo instante, tem um mundo para desbravar em 24 horas e se vê acabado sem cumprir a jornada, exausto… É um menino que desconhece a delícia de caminhar sem pressa, com a vagareza de quem aprecia uma montanha, um rio, a vida em um banco de praça. Malcriado, tenta criar suas próprias leis, sem dar ouvidos para quem deveria nele mandar.

O tempo tenta subverter a lógica, de todas as maneiras diz que me tem nas mãos, enquanto eu que devia fazer dele o que bem entendesse. Foi assim que começou nossa luta: um verdadeiro cabo de força para mostrar quem é dono de quem, bem quando percebi que ele ditava as regras. Tenho ganhado algumas disputas, perdido outras tantas.

Disse uma vez para ele que não adiantava me aparecer com mil compromissos, eu iria me cuidar, mesmo com prazos aparentemente mais curtos iria ignorar a desabalada carreira dos ponteiros quando chegasse hora de eu me esticar, respirar profundamente nas minhas aulas de pilates. Outro dia foi a hora de fazê-lo aceitar que eu quero escrever um texto de tema livre diariamente, não adiantou ele tentar me convencer que a cabeça não aguenta, que o dia já havia acabado antes de marcar 0h.

Também venço quando largo a mesa cheia de papéis e vou tomar uma birita, jogar conversa fora. Mato o tempo, de raiva, sem nunca perdê-lo, faço com que ele entenda que minha vida tem que ter espaço também, oras! E quando ele se assanha, quando me convence de deixar pra lá uma reunião familiar dou logo um empurrão e ele se aquieta.

Vivo perdendo batalhas também. O relógio às vezes vence, diz que é dia de hora extra se acaso eu quiser entregar tudo dentro do prazo, e num tempo que não é só meu, de um tempo que o outro espera. O tempo às vezes faz, sem eu perceber, que aquela visita seja sempre adiada.

Como forma de se dar bem comigo, às vezes ele me traz o esquecimento. Transforma o que dói em aprendizado, em algo de uma beleza infinita que nem ele leva, lembranças. E para me compensar pelo que me tira, o tempo, senhor que dissolve ódio, tristeza e até amores, promete deixar tudo intacto, eterno, livre das maldades dos seus ponteiros.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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