Quase salvo pelo smartphone

Quase salvo pelo smartphone

Joaquim nunca foi músico profissional, mas nunca perdeu uma oportunidade de cantar e tocar uma viola também. Podia ser em casa, nas festas dos amigos e até em eventos que o comichão de soltar a voz lhe acometesse. Para cada ocasião ele tinha uma música gravada, letra e melodia. Quer dizer, para quase toda. E foi este quase que o fez entrar em uma enrascada do tamanho da paixão dele pelas canções.

Era uma festa de homenagem aos pais. Lotada! O coração acelerou, os dedos começaram a querer a viola e a voz se recusava a dizer qualquer coisa que não fosse um pedido para subir ao palco.

– Eu quero prestar minha homenagem e cantar “Couro de boi” – pediu quase que como aviso.

Lá foi ele antes que o mestre de cerimônias dissesse qualquer palavra. Viola a tira colo, e uma vontade danada de cantar. Sentou-se no banquinho, tomou um gole de água, depois de cachaça e pôs-se a dedilhar a canção. Só que “Couro de boi” estava na lista das músicas que ele não sabia. Lembra que eu disse que ele sabia QUASE todas, para qualquer ocasião? Foi aí que ele se atrapalhou.

O maior companheiro de música estava na plateia e sabia: ia dar ruim. Joaquim não sabia “Couro de boi”, falava que a música era triste demais e que nunca tinha dado conta de decorá-la porque começava a chorar. Daí juntou a emoção com a letra desconhecida e todo mundo aflito na pleteia pelo show do Joca.

Sebastião se deu conta do que acontecia e não podia deixar o amigo passar vergonha. Sacou o smartphone do bolso, procurou a letra de uma música que falasse de pai no Google. UFA, estava prestes a salvar o amigo!

Saiu lá da última fileira:

– Joca, Joca!

– Ow, posso atender não, tô tocando – falou como quem texttexté o rei do palco.

– É a letra, sô, pra gente cantar junto, gosto demais dessa música! – disfarçou pra não deixar o amigo sem graça.

– Então vem cá, né ninguém me caçando não?

Lá foi o amigo com o telefone na mão. Quando mostrou a letra pro amigo, a surpresa, tratava-se de “Filho Pródigo”. Joca, pra não mudar o repertório, decidiu – cantou aquela música e tocou “Couro de boi”.

Todo mundo que ali estava sabia da paixão de Joca pela música e ninguém comentou nada. Depois deste dia, Joca engoliu o choro e decorou a letra, só pra garantir uma música pro dia dos pais sem que se encrencasse tanto.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

Oi, o que achou do texto de hoje?

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *