Quando o amor que vale a pena acaba

Quando o amor que vale a pena acaba

De um dia para o outro Ana deixou de querer compartilhar a vida inteira com Pedro. De repente, ela passou a ficar mais em silêncio quando ele estava por perto. Pedro continuava a fazer tudo por Ana. Ele pensava que ela passava por uma fase mais introspectiva, ignorava que o amor da menina havia chegado ao fim. Ana levava o que estava frio em banho maria. Ah, aqueles 7 anos de namoro não podiam ser jogados fora assim, como quem descarta algo que deixou de gostar sem motivo.

Já perguntavam pela data de casamento dos dois. Ela tinha quase 30, ele já havia chegado lá. Pedro nunca deu motivos para um ponto-final, pelo contrário – era carinhoso, dono de uma voz que chegava a assustar de tão bonita e as promoções no trabalho faziam dele um partidão. Ana era artista, uma loira nem bonita nem feia, porém aos olhos de Pedro, linda. Cantava, escrevia e se dedicava ao trabalho voluntário em um abrigo. O amor deles sempre foi leve, tranquilo. Ana era da paz, ele também. Discutiam, sem transformar as discordâncias em brigas feias.

Ana conversava com ela mesma.

– Eu gosto do Pedro, sem amá-lo. Há sete anos estamos juntos e não tenho motivos para terminar com ele. É loucura, quase 30 e ficar solteira a esta altura do campeonato, nem paquerar eu sei mais. Todas as minhas amigas reclamam, dizem que tá bem difícil encontrar alguém legal. E esse negócio de achar alguém pela internet, Tinder? Ah, não, que preguiça, Pedro é com quem devo ficar e nem sou tão bonita assim.

De frente com a verdade

Era só ver Pedro que tudo que ela conversava com si própria não fazia sentido. Os sete anos de namoro deixaram de significar intimidade e algo que valesse a pena transformar em 8,9 – casamento. Ana não contava mais nada sobre os dias dela, só o que ele perguntava. Pedro falava como quem conversava com as paredes com uma moça triste. E a tristeza o levava a pensar que em vez de um término, Ana precisava era de carinho e dele próximo. Dava presentes em datas inesperadas, tentava ir em todos os shows da moça, aparecia de surpresa depois das aulas de música, missa…

O amor de Pedro valia muito a pena para ela perder. Ainda mais a cada dia com tanto presente, atenção e carinho. Era estranho ter que se esforçar para suportar o que toda mulher sonhava, porém era o que ela fazia sempre. Entretanto, um dia ela começou a chorar quando viu o namorado no portão depois de um dia cansativo. Desaguou todo fim do amor.

– Eu não aguento mais. Você em todo lugar, com flores, carinho e chocolate – choramingou.

– Ana, como assim? Está louca? Faço tudo para você, tô grudento, é isso? – perguntou.

– Não. Seu amor vale a pena demais e estou adiando colocar um fim no que pra mim acabou há um tempo – disse.

– Vamos dar um tempo então – foi a resposta.

– Eu já me dei esse tempo, nada resolveu, acabou mesmo – disse.

– Pra você sim, pra mim ainda vai levar alguns anos, meses se eu tiver sorte. Pra mim tá longe de acabar – falou.

Continuaram a discutir por pouco mais de uma hora. Ela em uma explosão de desamor, sinceridade, na certeza de que terminava um relacionamento difícil de encontrar – Pedro na certeza de que demoraria a amar, pois primeiro teria que esquecê-la ou tentar com ela ainda no coração.

Foi embora da casa da moça. Em casa, Ana respirou triste, porém aliviada. Na rua, Pedro começou a chorar, um choro que durou meses. Para ela, era mesmo o fim de um amor que valia muito a pena. Para ele, o início da convivência com um sentimento não correspondido e de forçar que a cabeça e o coração entendessem que era preciso por um fim no amor dele por ela. O amor de Pedro valia a pena, o de Ana valeu por sete anos – e isso fazia doer mais ainda – para os dois.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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