Proximidade e distância: encontros por acaso

Proximidade e distância: encontros por acaso

Eu o conheci declamando poemas de Portugal – primeiro contato que fez que aquele rosto ficasse eternizado em minha memória. Não fosse isso, o contraste do cabelo grisalho com os olhos absurdamente azuis o tornaria inesquecível. Depois trombei com ele em uma situação oposta – o homem de meia-idade fazia contas estatísticas que se confirmaram depois. Eu custei a entender como uma pessoa poderia ter os dois talentos ao mesmo tempo, ou pelo menos gostos – aritmética e versos – tão distintos.

Nossa proximidade sempre foi pouca, só que nunca deixamos de esbarrar do nada. Chegaram textos dele, sobre economia, para revisar. Quando abri o primeiro arquivo e passei os olhos pelo título, pensei – artigo chato. Porém, a economia da qual ele falava era aplicada, bem diferente da matéria que quase repeti na faculdade de comunicação. No entanto, os versos de Pessoa declamados por ele ainda soavam bem mais proveitosos do que aquelas linhas.

O homem dos olhos azuis se tornou cada vez mais familiar para mim. E como se esbarrarmos nas ruas fosse pouco, o LinkedIn juntou nossos dados e entendeu que tínhamos algum grau de afinidade. Muito provável que por causa dos e-mails que eu recebia da Confraria Brasil-Portugal, a mesma que me colocou de frente para ele pela primeira vez. No perfil dele, nenhuma linha sobre o apreço por literatura, apenas sobre números. Exceto a cidade em comum, o restante era antônimo. Caso só o conhecesse pelo LinkedIn jamais o adicionaria, fora da rede os pontos em comum são bem mais expressivos, nela só me afastam dele.

Eu não faltava a nenhum encontro da Confraria. Dava gosto ver aquele pessoal falar da cultura, especialmente literatura portuguesa. E o grisalho estava sempre lá, feito um trovador moderno. Só perdi o contato quando meus horários deixaram de bater com os dos encontros – trabalhos, cursos, todos na hora da reunião. Entretanto, ele nunca deixou de me convidar para palestras de economia e para ler os artigos no blog da empresa, desconfio que sem ter a certeza de que eu era a moça que ia às reuniões do grupo.

Hoje fiquei cara a cara com ele novamente, por acaso como sempre. Tinha uma reunião, achava que tinha, no prédio dele. Estávamos bem diferentes dos nossos avatares no LinkedIN – ambos com roupa de ginástica – como era uma reunião informal eu iria caminhar logo depois – ele devia ter acabado a atividade física naquele momento. Assim que o avistei, disse:

– Oi, César, tem ido aos encontros da Confraria?

– Nestes meses de férias sim, nos outros dou aulas no mesmo horário da reunião.

Des- encontros por acaso

E seguimos juntos falando sobre o grupo. Ele arregalou os olhos azuis para me reconhecer. Eu sabia bem quem ele era. Ele ficou sem graça de não saber meu nome. Subimos dois andares juntos, descobri que a reunião seria em outro local. Contei para quem eu trabalhava porque foi a única pergunta de identificação que conseguiu me fazer.

Fui para o lugar certo. Quando cheguei em casa, a surpresa, ele me mandou uma mensagem no LinkedIn perguntando se eu era eu hehehehehe. Eu disse que sim, não o conhecia tão bem, mas sempre esbarrava com ele ou o nome dele por aí. Acho que agora ele terá mais motivos para se lembrar de mim também. Bom é que quarta o verei de um jeito que há tempos não vejo – como apreciador de poesia, lendo ou ouvindo versos que me ensinam bem mais do que os artigos sobre economia que recebo dele.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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