Praga de padre (pelo menos de um) pega

Lá pelas bandas de Martinho Campos, existiu um padre muito famoso, o padre Marciano. Primeiro, ele ficou conhecido por ser muito sistemático – mulheres com decote, o mínimo que fosse, não podiam sequer comungar na missa dele. Depois, pelas pragas que rogava quando o afrontavam. Só que como em toda cidade pequena, sabe-se que nem tudo que o povo fala é verdade. E muita gente duvidava que ele tivesse uma boca tão poderosa.

O pai da então recém-nascida Ilmária era um dos que desconfiavam que o padre fosse sistemático, mas que não pudesse chegar a tanto. Ele fazia questão que a menina fosse batizada pela madrinha Eni que morava em Belo Horizonte. Na época, a cidade parecia mais longe, as estradas eram quase todas de terra e a viagem era feita de trem ou carona. Um dia, ela chegou na casa da afilhada de surpresa. Todo mundo ficou feliz demais. Coincidência, tinha uma festa religiosa em Boa Vista, distrito vizinho, e lá foram eles com a garotinha envolta em uma manta branquinha.

A felicidade quase foi desfeita pela braveza do padre Marciano. Só porque eram de Ibitira, ele não queria batizar Ilmária naquele dia. Foi uma discussão danada. O pai da garotinha explicava que Eni estava ali e era difícil demais ela ir em Ibitira outra hora. E parecia que o padre não queria abrir de jeito nenhum, falou por fim, até vermelho de tanto falar e nervoso:

— Vou batizar, pra menina não ficar pagã. Mas já aviso, essa discussão comigo não vai ser boa procê de jeito maneira. Vai ter um problemão.

— Eu não acredito em praga do senhor – respondeu.

Ilmária voltou para casa com o sacramento e a madrinha que os pais faziam questão. Foi uma festa só, mataram uma galinha caipira para comemorar. E quando completou alguns meses da praga, na estrada que ia pra roça onde ele trabalhava, eis que o pai de Ilmária cai em um buraco. Quebrou a coluna, ficou meses sem poder andar, na cama.

O que ele pensava a todo momento, a cada dor?

Não era conversa fiada, a praga do padre pegava mesmo. Daquele dia em diante, nunca mais discutiu com Marciano e nenhum outro padre na vida.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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