Perdão para construir novas histórias

Perdão para construir novas histórias

Passei uns bons dias reticentes diante das interrogações do meu professor de literatura. Logo eu que era uma das mais participativas na aula dele. Gostava do momento para ler e escrever nos exercícios que passava, sem contar o quanto eram aulas interessantes. Eu ainda teria que encará-lo por mais dois longos anos em vez de só aproveitar a minha matéria preferida. Seria o fim de uma amizade. Era o que eu pensava ao olhar o livro Terra, de Sebastião Salgado, que ele havia me emprestado. Aquelas páginas eram lindas, fotos impecáveis antes de eu estragar o livro porque goteirou logo em cima da escrivaninha.

Já tinha ido para o sol depois do acidente. Algumas páginas grudaram. Outras ficaram amarelas por causa da água que caiu da telha e o sol depois. Eu só piorei a situação. Saí a procura de um exemplar novo que devia ser muito caro, porém, na minha cabeça, era a única forma de reparar o meu erro. Sem um livro novo a amizade com o professor tão legal iria por água abaixo da maneira mais literal(e triste) possível.

O livro estava esgotado. Eu nem dormia. Quase matei aula de literatura pra evitar o assunto. Não teve jeito: contei depois de nem sei quanto tempo. O pior foi ele pedir para que eu mostrasse o exemplar destruído. Contei que procurei muito pelo livro e a última coisa que eu queria fazer era mostrar o quanto eu havia conseguido estragar um livro de fotografias belíssima. Mas eu tinha que fazer tudo que o Juvenal me pedisse, teria que mostrar o livro. Se alguém fizesse o que eu fiz um livro meu, sei não, perdoar eu até perdoava, mas ia dar um gelo pra pessoa sentir. E ele ainda era professor de literatura, um amante dos livros, pleonasmo, no caso.

Ele me pediu a nova edição do Grande Sertão, eu providenciei mais que depressa. E quando apareci com o Terra em frangalhos a mão do professor foi no rosto. Por mais que eu tivesse escondido o livro e demonstrado que algo de muito ruim havia acontecido, o Nanal não acreditava no estado do livro. Pensei que ele iria jogar fora. Engano meu. Ficou com o livro como prova viva da história que poderia ter sido o ponto final de uma amizade que estava no início.

E como um contador de história dos bons ele sempre fala deste caso. Quando possível mostra o livro destruído. Eu tentei encobrir essa tragédia de todas as formas e nunca tinha comentado sobre a não ser que o Juvenal estivesse por perto. Sei que aqueles que me leem podem nunca quererem me emprestar um livro depois desta revelação. Mas eu mudei, gente! Na época mesmo não foi minha culpa, foi um acidente. Hoje coloco livros onde não existe a possibilidade de a chuva estragar história nenhuma.

Mas o que ficou de toda essa minha trapalhada foi a lição de como perdoar é melhor do que dizer que há atos imperdoáveis. O orgulho coloca pontos finais em amizades, amores. O perdão abre um novo parágrafo. É uma chance para os dois, não apenas para quem errou. Afinal, sozinhos eles continuarão a existir, só que há coisas que só fazem sentido quando o outro está. Depois do livro destruído eu e o Nanal já vivemos muitas outras histórias bem melhores do que a do livro.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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