O verdadeiro telefone sem fio existiu em Ibitira e não era uma brincadeira

Pode parecer estranho imaginar, mas o orelhão público mudou a comunicação em Ibitira. E digo que o público nunca teve uma conotação tão literal, já que ninguém tinha telefone em casa, todo mundo usava, muito! O mais interessante é que mesmo com a extinção da cabine telefônica, na qual a pessoa pagava a ligação por minuto em um espaço fechado, o povo não se acanhava em conversar. Era um orelhão mesmo, já ouviu de mim confidências e papos altamente furados, como se eu tivesse no conforto do meu lar e não em pé por meia hora na rua 🙂  E as coleções de cartão? Eram completadas fácil, fácil lá porque usávamos muito.

O que acho mais engraçado de tudo é que sempre tinha alguém para informar quando a pessoa que ligou iria voltar a telefonar. Na maioria das vezes, era o Caiau que dava o recado, pois ele trabalhava no cartório, encostado em um dos orelhões. E no início eram dois, só no Centro, um da praça (como falávamos) e outro no Supermercado do Geraldo. Nos outros “bairros” só surgiu um tempo depois e o “da praça” nem está lá mais. Então, para não deixar ninguém sem notícias do povo da cidade grande, o Caiau andava até a casa da pessoa ou local de trabalho. A Zirlei Pimentel saiu do posto de telefonista e o Caiau praticamente o ocupou porque ele era o que estava mais perto do orelhão quase sempre. As diferenças, coitado, é que ele não recebia por isso e ainda tinha que levar recados para o povo.

E quando não tinha como ele ir? Passava o recado para outra pessoa disponível, como em um telefone sem fio, só que esse era sério, tinha nada de brincadeira. Mas é possível que alguma informação do recado possa ter chegado distorcida porque quem já foi em Ibitira sabe que leva um tempinho do Centro até bairros como Jatobá, Favela e no longíquo Açudinho.

Eu passava quase todas as férias em Guarapari naquela época e sofria demais, sem saber, nem pensava nisso quando aconteceu, era natural. Todo mundo trocava contato – e-mail, telefone CELULAR. E eu? Só podia passar o número do orelhão compartilhado e um e-mail falso, porque se lá não tinha nem fixo, quem dirá internet, né? Juro que desconheço, esqueci a razão de eu passar e-mail falso. O pior é que todo mundo sabia, rs, e fingia que não para me agradar.

Graças ao orelhão eu ouvi muitas fofocas das minhas primas, ficava sabendo em que datas elas iriam para Ibitira para eu já começar a pedir para sair com elas para as festas  e colocava o papo em dia com a minha melhor amiga que havia se mudado. Cheguei a ficar horas pendurada, pois quase sempre usava em horários que o pessoal trabalhava, a noite era mais complicado, dava até fila e os segredos não eram tão secretos assim.

Quando me mudei, o fixo “já” tinha chegado na cidade e pouco tempo depois o povo começou a comprar celular, mesmo sem sinal. O jeito era ir para frente da igreja ou ficar em um banco na praça que “dava uns dois pontinhos e caía para um”. Aí era pior que o orelhão, pois ficava a ligação era ruim. O telefone sem fio de antes era até melhor, pois a qualidade da ligação era excelente. A informação porventura entrecortada no caminho era entendida perfeitamente quando o destinatário atendia o telefonema, no celular não. E até hoje é um pouco assim, uma torre de celular chegou à cidade, mas não é lá essas coisas ainda. Desconfio que de vez em quando o bom e velho orelhão ainda é usado. Acho que até mais do que nos grandes centros.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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