O troco

O troco

Eu só queria chegar ao estágio. Para o alarme, dei a missão de me avisar que era hora de sair depois de mais cinco minutinhos de soneca que tornaram-se vinte. Engoli o café para acordar direito e corri para o ponto de ônibus. No caminho olhei a carteira e me deparei com uma solitária nota de R$ 50. Até pensei em passar na padaria para comprar algo de R$ 1, R$ 2, mas desisti quando avistei o meu ônibus e ao lembrar que aqueles eram meus últimos trocados no mês. Só me restou correr.

Foi difícil o começo do dia, por culpa minha, confesso. Meu cansaço quase fez com que eu perdesse o ônibus. Pensei que quando entrasse na lotação meus problemas estariam resolvidos e eu escutaria mentalmente uma música de vitória, pois consegui pegar a lotação no horário certo. Eu estava enganado. O cobrador fez uma cara pior do que a minha quando acordei ao constatar que eu só tinha uma onça na carteira. Aí veio a clássica pergunta: “Tem trocado não?”. Nem tive coragem de abrir a boca para responder, fiz que não com a cabeça. Ele resolveu demorar bastante para voltar o troco. O povo na fila até começou a reclamar e ouvi uma dizer que o troco máximo era R$ 20, no entanto, eu li na janelinha que era para facilitar o troco, não uma lei.

Sentei arredio, pelo menos essa sorte tive: encontrei um lugar, ufa! Durante a espera ouvi uma mulher pedir que o “trocador” a avisasse quando chegasse perto do local de trabalho, era o primeiro dia dela. Mas aí, me veio a questão: trocador? Tá errado, se é trocador não devia reclamar de voltar a diferença da passagem, mas sim fazer o que é uma obrigação dele. Cobrador, como escrito no crachá, é que era o termo correto. Cheio de pompa, como dono do busão, exigia algo que naquele momento estava fora do meu alcance.

Tá certo que eu poderia ter ido na padaria se tivesse acordado mais cedo para evitar a chateação ao comprar qualquer besteira para trocar a nota, trocar por trocar, 6h30 da manhã eles não aceitariam. E no fim do mês os R$ 50 eram os últimos “trocados” que eu tinha. Só por causa da cara fechada do cobrador eu iria ficar com menos dinheiro ainda? É injusto demais, cada real conta até chegar o quinto dia útil para um reles estagiário. Pode parecer pouco para quem ganha bem, porém, para mim que ganho uma bolsa magra é demais.

Cheguei no estágio com a sensação de que havia travado várias batalhas naqueles dias. A do sono, corrida atrás e da falta de bom senso de quem achou ruim fazer algo inerente a função. Continuei o dia e cheguei a noite em casa com o troco dos meus trocados. Com certeza até dia 5 nenhum trocador terá o que reclamar. Agora são R$ 44 trocadinhos, tenho mais trocados do que nunca. Boa notícia para eles, ruim para mim!

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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