O sorriso aprisionado no girassol

O sorriso aprisionado no girassol

Luísa nasceu em uma tarde azul de primavera. O pai, Clemente, levou o buquê de girassóis tão bonito quanto o dia para conhecer a filha. A mãe, Maria, ficou ainda mais feliz quando o amarelo daquelas flores tomaram conta do quarto porque para ela o dia estava gelado e tinha a cor das paredes sóbrias na maternidade; as janelas nunca eram abertas, os médicos e enfermeiras com roupas impecavelmente brancas deixavam tudo em monotom, sem graça, em nada combinavam com o nascimento da pequena Lu. Aliás, a menina pareceu sorrir quando viu as flores antes mesmo de ver o pai, era o que a mãe havia percebido incrédula. Como uma bebê que tinha nascido há duas horas já sorria? Devia ser só impressão.

O buquê foi colocado em um vaso com água para durar mais e deixou tudo mais vivo. Quando chegou a hora de mãe e filha deixarem a maternidade, as flores permaneciam vivas como quando chegaram. Clemente decidiu levá-las. Colocou no quarto da garotinha. Estranho era que os girassóis demoraram a murchar. Luísa convenceu a mãe de que ela já sorria desde as primeiras horas mesmo, quando via a flor quase gargalhava, como no hospital. A mãe teve a impressão de que viu até as flores em uma leve rotação, o que não era de se estranhar, já que um girasol pode mesmo se mover. Lá eles permaneceram até que os dias começaram a se tornar menos coloridos.

O Outono trouxe o cinza, deixou os dias mais curtos, os raios de sol menos intensos. No Inverno as flores perderam a vida de vez. Luísa começou a chorar como nunca. E pior, ficou doente, quando a mãe achava que havia curado uma doença, outra aparecia. Teve dia de Luísa chorar durante horas, tinha noite que ela não dormia, nem ninguém da casa. Nenhum médico achava a cura, os exames não davam pistas do porquê de uma imunidade tão ruim. Foi aí que Clemente, sem pregar os olhos há dias, decidiu:

— Vamos nos mudar para onde tenha sol e um campo de girassóis.

— Endoideceu, homem? O sol vai curar a menina?

— Prestenção, Maria, na Primavera e no Outuno ela não tinha nenhum problema, era até mais feliz do que os outros bebês todos.

E assim foram no encalço do sol. Foi a mesma coisa de tirar todos os males de Luísa com a mão. O problema é quando o Inverno chegava, lá ia a família com a menina nos braços em busca do sol de novo. Os girassóis acompanhavam a família também, pararam de murchar e a menina gargalhava quando de frente para as flores.

Assim viveu Luísa. Ela sempre vivia dias primaveris, de verão, os do início do Outono, mas de Inverno nunca. Com 15 anos ela começou a estranhar porque se mudavam tanto. Ela nunca tinha a oportunidade de usar casaco como via nos filmes, nem de tomar capuccino. Inventou de pedir para conhecer a neve.

— Minha filha, esta é uma ideia absurda. Quando era pequena começamos as andanças em busca do sol para você não adoecer.

— Mas pai, eu nunca pude fazer nada do que vejo nos filmes.

— Vamos fazer um teste, ficamos aqui o ano todo.

Assim foi feito. A vontade era tanta de usar bota de cano alto e cachecol que quando os dias começaram a ficar cinzas ela começou a entristecer sem saber explicar e querendo esconder. Os girassóis também desbotaram, não resistiram ao frio invernal e pela primeira vez ela não tinha a companhia deles. Ela parou de sorrir.

— Luísa, o que foi?

— Não sei. Tenho achado tudo sem graça, parece que falta cor, mas quero conhecer o Inverno.

— Se ficar bem faz sentido, senão vamos ter que procurar outro lugar, onde tenha sol.

Naquela mesma noite não teve cobertor que chegasse. A nova sensação que invadia a pele branca de Lu fez com que estremecesse toda. A lareira foi acesa e ela que nunca tinha usado meias, enfiou os pés no par mais quentinho que conseguiu achar. Mal dormiu. Acordou toda dolorida e com um mau-humor que os pais não conheciam. O nariz começou a escorrer, a garganta dava sinais que algo ia mal e a cabeça doía, latejava. Os dias passaram e nada de ela melhorar. Concordou em se mudar e toda vez que o Inverno chegava ela via o filme se repetir, pois tentava insistentemente conhecer o bom do frio. Um dia ela desistiu e concordou com os pais em um café da manhã feito pra aguentar os graus perto de zero.

— Ai, vocês venceram, vamos para onde o dia seja azul e o sol brilhe; os girassóis prosperem. Eu não consigo sorrir. Doente e sem alegria o Inverno é uma péssima estação para eu viver.

Clemente, Maria e Luísa juntaram o pouco que tinham às sementes de girassol e colocaram o pé na estrada. Luísa viveu atrás do sol e conformou-se com a sina. Pouco adiantava querer ser igual todo mundo se todos eram felizes e ela ficava triste. O pai desconfiava que ele que havia começado aquilo tudo e que na verdade eles precisavam era de um lugar onde os girassóis sorrissem para Luísa e ela retribuísse.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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Você tem 2 comentários
    • Talita Camargos at 17:18

      Muito isso, Andi. Meu sonho poder migrar cada vez que esfriasse. A parte de ficar doente logo bebê aconteceu mesmo, quando minha mãe foi comigo para os EUA. Ela falava que a tosse que tenho era a mesma desde essa época.

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