O que une os desencontrados

O que une os desencontrados

Cansei de escutar que teria que mudar se quisesse que meu casamento desse certo. Eu ouvi. Minha primeira tentativa foi com o fuso horário. Meu marido madrugava, dormia antes das 22h. Eu invadia as noites com trabalho e tinha muito sono de manhã. Parece que ele ouviu a mesma coisa. Deu ouvidos também!

Agora eu me pareço com ele quando nos casamos e o Geraldo é igual a mim no início da nossa vida a dois. Porém, continuamos diferentes. Vou pra cama antes de ele terminar a última tarefa ou de relaxar em frente à TV.

Desencontrados somos. Estamos juntos cheios de diferenças bem além do horário de parar. Tem gente que olha torto pras minhas diferenças. Uma das maiores delas é não ser nada Amélia, deixo os pratos pra lavar depois. Ele chega e me xinga se o depois pros pratos ultrapassar a hora que ele chega. Tento sempre ajeitar antes, mas de vez em quando sou atropelada pelo trabalho.

Também somos desencontrados em vários fins de semana. Incontáveis são meus vale-nights. Claro que eu gostaria que ele tivesse mais folgas, mas não me privo de me divertir e viver como uma mesmo casada. Mais gente ainda me olha torto por isso. Já cheguei a ouvir que corro risco e ele também.

Somos desencontrados na fala. Eu converso muito, ele se atém a interagir com sorrisos e pouca conversa. Filmes e séries nunca assistimos juntos. Ele dorme assim que encosta. Para ver TV, precisa ficar sentado. Gosta de ação, legenda é insuportável enquanto eu implico com as dublagens só de pensar.

Ficamos em cômodos diferentes por vezes. Nos sentamos para comer quando ele chega do trabalho, um dos poucos momentos de encontro na própria casa. Ele põe a mesa depois de uma generosa compra na padaria, eu com pão integral, alimentos naturebas, café com açúcar mascavo. Mas nos encontramos na prosa. Nem sempre concordamos com a opinião do outro e por alguma razão nos entendemos.

Casamento é isso. Estar com alguém diferente que até muda, mas pra algo que o outro já deixou de ser, e sentir-se um par independente das oposições. E ainda assim também se sentir único, com uma vida além da de casal. É por isso que quando alguém me diz que vai casar e vem com o discurso que terá que mudar, eu digo: também ouvi que precisava, só que hoje sei – um casal precisa é de se respeitar e não de ficar igual ao outro. Até porque o desencontro parece ser premissa de quem trocou alianças. 

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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