O que ninguém contava sobre o Veá

Um dia, já quando morava em BH, senti algo estranho ao ver o banquinho  em frente à venda do Zé Raimundo vazio. Até tinha uma pessoa lá, mas o lugar era cativo do Veá – presença constante e tranquila em Ibitira. Também não o vi pelas ruas e na praça. Perguntei por ele e minha suspeita se confirmou: Veá havia partido.

Fiquei sem reação ao me dar conta de que aquela pessoa tão presente na cidade, nunca mais estaria ali. À memória, quando passo pelos lugares em que o via, meus olhos ainda enxergam-no. Um homem negro, forte e invariavelmente com um boné para compor o visual. Uma presença até então certa, desde que eu me entendia por gente. Apesar da passagem dos anos, o rosto e o corpo nunca mudaram – pelo menos desde a primeira vez que o vi. E o estar sereno em Ibitira também não.

Veá de Ibitira

O Veá estava sempre sorrindo, mas esta é uma 3X4 que me enviaram dele, por isso a seriedade. Foto: Cedida por Jose C. Silva

Fiz uma pesquisa para saber o que os meus conterrâneos se lembravam dele. Eu também quis descobrir mais sobre quem viveu muito tempo entre nós, mas do qual eu não sabia tanto, só mesmo o que a observação mostrava e isto é pouco demais, a vida é bem mais profunda, as razões de as pessoas serem o que são ou eram podem ser muito diferentes das que imaginamos. E a maioria se lembrou do que via, pouco diferente do que eu notava. Muitos disseram: “gente boa, só tinha medo de água”. Outros fatos, como o desespero ao contarem a unha dele,  também apareceram.

Veio à tona também o porquê de Veá ser da forma que era. Segundo um dos relatos, em um dia de tempestade, a vida dele mudou para sempre. Com medo da barulheira e do aguaceiro, ele, que morava na roça e trabalhava em uma carvoeira por perto, teve que sair de casa. O problema foi que um raio atingiu o Veá. Não falei que ele era forte? Nem um raio foi capaz de derrubá-lo. Veá sobreviveu, não sem sequelas. Ficou esquecido de algumas coisas e com medo, muito medo de chuva e até de água de chuveiro. Por isso, os banhos eram mais raros.

O que o raio não deixou ele esquecer foi de como tratar as pessoas, ser agradável. E foi essa característica que me faz sentir falta de vê-lo em Ibitira. Uma presença simples, porém marcante, o que o fez inesquecível.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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