O mundo que eu quiser

Eu nunca fui muito Maria de ir com as outras, e assim vivia com fones ou com o som alto só até outras pessoas chegarem. Talvez por isso eu tenha aprendido a não me incomodar com o que tocava nas festas e as conversas que pouco tinham a ver com o que eu lia. Na verdade, eu não admitia, para ser única na adolescência, mas gostava de roda de viola, sertanejo, embora não fossem meus estilos preferidos. Gostava mais ainda das palhaçadas que aconteciam nas festas do Retiro, forrós da Praça e tantos outros eventos típicos de Martinho Campos. Mudei-me e digo que não teve nenhuma festa fora que superasse os finais de semana na minha terra.

Depois que sai de Ibitira, distrito de Martinho Campos, encontrei algumas meninas com os mesmos gostos; na faculdade também tinha uma turminha que dividia as paixões por livros, filmes e cantores normalmente pouco conhecidos. Em um primeiro momento eu pensava que havia me achado, tempos mais tarde comecei a conviver com certos cults muito radicais. Uns se privavam do convívio com tias, primos e às vezes até dos pais por não admitirem escutar algo que lhes desagradasse, mesmo com a contrapartida de ouvir boas histórias e fortalecer os laços. Aquilo tudo me assustava, pra mim entrar na cultura do outro, deixar meu mundinho de lado por um domingo ou uma noite sempre foi enriquecedor, ainda mais depois de passar por várias matérias da Comunicação Social, especialmente antropologia. A disciplina mostrava que para entender o outro, os gostos e hábitos, eu teria que esquecer meus próprios gostos e hábitos.

Assim eu fazia: ora saía com o pessoal que gostava da nova MPB, barzinhos pouco convencionais; ora eu mergulhava no universo do meu clã, apaixonado por sertanejo, roda de viola e uma mesa cheia de gente contando histórias e causos. Uma particularidade – com nenhum dos grupos, familiar e de amigos, eu encontrava 100% do que me agradava. Por isso, sozinha, eu sempre entrei em sites e busquei o que fazia bem pra mim. O bom é que eu encontrava, via de regra, vários fãs desconhecidos em comunidades, na época do Orkut, espalhados pela rede. Claro que se eu fizesse alguma publicação sobre eles para meus amigos eu não teria companhia para discutir, menos ainda com meus primos ou tios. Ficava feliz de ter os anônimos tão familiares.

Eu tenho certeza que é isso que as pessoas deviam descobrir na internet – o mundo em que elas querem viver. Nessa imensidão de 7 bilhões de habitantes tem muita gente parecida, nunca estamos sozinhos, dá para se sentir parte de uma aldeia global sem problemas. Começa a dar errado quando só por gostar ou não de algo alguém declara guerra como se para o mundo da pessoa fizesse alguma diferença, e faz porque esse comportamento pode gerar uma discussão enorme.

Tudo porque classificam como góticos, nerdes, gay, sertanejos, patis. E por haver tantos jeitos de ser, e mais necessidade ainda de rotular, esquecem que ninguém deixa de ser humano independente do que for. Tem dias que dá vontade é de colocar o mundo no mudo ou de mergulhar no som do fone de ouvido só para ter o gosto de não ter que escutar nenhum mimimi. Eu entendo que o homem tem liberdade de expressão, mas também deve assumir a responsabilidade sobre o que diz. Como pouco posso fazer pelo que falam a torto e a direito vou continuar a ouvir só o que eu quiser, seja por causa da companhia, por um gosto profundamente pessoal compartilhado ou não com quem conheço.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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