O fim da carreira das caçadoras de velório

 

Inês, Geni e Mirta eram três jovens casadas que não conheciam a tristeza quando estavam juntas. Só que para justificarem tantos encontros, tinham que inventar os mais diversos programas. Gostavam tanto de se ver que ir ao velório era uma das opções de diversão.

Aproveitavam sempre as melhores partes: reencontro de parentes que nunca encontravam datas para se verem — só a morte mesmo para dar um jeito – as brincadeiras da molecada que ficava alheia a tudo – sem entender, nem dar importância aos prantos. E para despistar, além de conferir se o morto tinha ficado bonito, com o semblante sereno ou se havia inchado.

Na maioria das vezes, pegavam a ficha do finado ao ouvir os comentários comuns nessas ocasiões – saíam com a causa mortis, vícios, arrependimentos na velhice ou as tragédias que não deram tempo de chegarem lá. Assim o trio morbidamente se divertia, passava tardes e mais tardes em velórios de desconhecidos, dos conhecidos não tinha graça nenhuma.

Gostavam da movimentação, de ouvir as histórias e até piadas que depois de um tempo de velório eram contadas. Se a morte não tivesse sido trágica, tinham espaço. E ninguém desconfiava daquelas jovens senhoras caçadoras de velórios. Até porque tinha uma regra de ouro: evitar ao máximo os comentários, só eram permitidos quando estavam à caminho de casa.

Na volta, saíam os comentários mais aleatórios. No final, concluíam – velório era cultura. De vez em quando recitavam poemas para o morto, contavam sobre viagens, elas descobriam capitais e países longínquos, viajavam nos relatos. Também conheciam doenças das quais nunca tinham ouvido falar. Era uma aula.

Um belo dia, Inês, a mais espivitada delas, acabou com toda diversão. Geni comentou um detalhe do morto na cabeça.

  • Nossa, olha só quantos pontos, pontões na cabeça, né?, perguntou Geni.
  • Claro que é na cabeça, se fosse no **** não veríamos, respondeu Inês.

Sem respostas para o palavriado da amiga em momento muito inoportuno, Geni e Marta saíram de fininho sem nem olhar pra trás. E o que Inês fez?

Disparou um riso que invadiu todo velório. Mirta e Geni se seguraram e logo que olharam para a amiga viram Inês dar socos primeiro na parede, depois no caixão. Era uma daquelas crises de riso. Quando acharam que já estava de bom tamanho, o riso se tornou líquido, Inês fez xixi perna abaixo.

Mirta e Geni fingiram que nunca haviam visto Inês e saíram de fininho. Só encontraram com a amiga no dia seguinte – a qual teve que explicar o que havia acontecido. Claro que mentiu, falou que tinha estudado com o morto há anos e que se lembrou de um causo muito engraçado entre os dois, que na verdade o riso era dor de tão nervosa que estava. Teve que ajudar a limpar tudo e ficar até o sepultamento. Inventou centenas de histórias e para o palavrão disse que fazia parte do tal causo. Como já tinha ouvido muito sobre o morto naquele dia, falar do que ele gostava ficou fácil, o que convenceu todo pessoal.

Assim estava encerrada a carreira de caça-defuntos das três que por uns dez anos disparavam a rir quando viam um velório só de lembrar do acontecido. Era melhor nem arriscar de ir.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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