O direito de ser brega, ops, leve

O direito de ser brega, ops, leve

Entrei no carro e tocava um house, o famoso tunts tunts. O som causou estranheza, mais por ter sido escolhido pelo motorista, que parecia curtir outros estilos do que por não me agradar. Não combinava nada com o trajeto, o sol a pino, o dia útil… Destoava do homem que até bisnetos já tem também, porém usa all star, pulseiras, em uma pegada bem rock. O pior é que o volume nem estava alto para eu dizer que diminuiria com a desculpa de que estávamos a trabalho e não pegaria bem se alguém ouvisse na rua. Se estivesse eu deixaria a música quase inaudível.

Não me lembro mais se ele começou a falar sobre o house ou eu. Sei que conversamos sobre o estilo, um dos piores para mim. Mas ele me convenceu de que o bate estaca vinha muito a calhar. Quando eu disse, no dia do tunts tunts que a música não dizia nada ele me falou:

Eu não quero pensar o tempo todo, às vezes só preciso de distração. Se eu escutar só música cabeça enlouqueço, começo a lembrar de muita coisa adormecida.

Nas idas e vindas de reportagens soube de passagens bem pesadas da vida daquele homem, as quais eu não poderia imaginar, elas  se escondiam no jeito bem humorado, nas piadas e ironias dele. Foi aí que comecei a pensar que muitas vezes tudo que preciso é esvaziar a mente, deixar os meus problemas de lado, dar lugar à leveza. Faz bem para o coração e cérebro tanto quanto ouvir a mais elaborada canção de MPB.

O direito de ser brega leve

Eu nem ouso chegar em casa depois de um dia inteiro de trabalho, às 21h, e procurar um documentário ou me dedicar a um livro pesado, adoro os dois, mas o momento é de desligar aos poucos, com um filme água com açúcar e qualquer novela que estiver no ar. Isso quando não coloco um Valdique Soriano para tocar. Não me julgue, tenho direito de ser brega, ops, de não pensar em nada complicado demais!

E olha que conheço tantos outros assim, não abrem mão de algo leve, mesmo dedicando-se a teses, dissertações. Já vi Flávio Fachel, correspondente internacional da Globo, declarar o seu amor por Avenida Brasil no Twitter. Aliás, esta novela foi uma que veio para tirar muitos noveleiros do armário, né?

Eu não tenho vergonha de assumir que vira e mexe faço muita coisa considerada besta. O resultado disso é conseguir relaxar, ter assunto com gente simples. O papo às vezes começa raso, com um “você viu como fulano está bonito na novela?” e vai por caminhos infinitos, cada vez mais profundos. Já iniciei uma conversa sobre um personagem da teledramaturgia e sai com uma confissão.  

Acredito que quem se limita demais restringe convivência com aqueles que podem ser divertidos e nos ensinar do jeito deles, mesmo que tenham gostos diferentes. Imagina só uma pessoa 100% cult em uma festa familiar, com churrasco e pagode? Não prego ser eclético como norma, entretanto quem aproveita ao máximo o que acontece no momento vive muito mais feliz do que aqueles que se fecham em grupos, sem abrir exceções. O tio que ouve Amado Batista tem histórias muito boas para contar, eu tenho certeza, vou ouvir as músicas com ele e tratar de puxar uma prosa, aprendizado certeiro.

Uma pitada de leveza em clássicos e leituras altamente recomendadas me dá mais fôlego, tolerância e bom humor. Acho que todo mundo tem direito, sem ser julgado. Talvez a razão para ver novela, ouvir música “ruim” seja muita mais complexa do que a trama e a letra da canção. Que diga o meu amigo que ouve house para não pensar.

 

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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Você tem 10 comentários
  1. Marina at 0:17

    Oi Talita, tudo bem? Espero que sim!

    Sou mais uma descobridora do seu blog, através do diHITT. Quero deixar resgitrado aqui minha alegria em encontrar uma blogueira que realmente sabe conduzir um texto. Na maioria das vezes não consigo ler nem até a metade, porém aqui eu li seu post que nem senti. Está de parabéns, espero que mais e mais pessoas a descubram.

    Sobre o post, também adoro me supreender com o gosto musical das pessoas. Hoje mesmo descobri que um de meus colegas de trabalho de descendência nipônica ama forró. Eu não curto de jeito nenhum, mas fiquei sinceramente curiosa para vê-lo dançando rsrsrs Até iria num forró com ele só pra isso! Quando a gente deixa o julgamento de lado, a diversidade passa a ser engraçada.

    Espero ver mais posts em breve! Beijos!

    • Talita Camargos at 1:09

      Marina, obrigada, obrigada! Minha ideia é produzir um por dia, então não vai faltar, tomara que as leituras continuem prazerosas, vou me esforçar, comentários assim são sempre motivo para caprichar ainda mais. Beijão

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