Mineiros ao mar

Mineiros ao mar

Ainda na infância minha tia me levou para ver uma das maravilhas do mundo: o mar. Aqueles dias de inverno na praia foram como o verão para mim, eu amanhecia feliz por ter o mar aos meus pés, logo ali, do outro lado da rua. O barulho das ondas deixava meu sono mais suave e me fazia desejar estar em suas águas novamente, por mim todas as noites podiam ser abreviadas, pois sabia que ao final daquela quinzena de julho não teria mais o mar.

Eu nem sei porque me apaixonei por ele assim, tão depressa. Quando coloquei os pés na areia pela primeira vez  minha cabeça começou a girar, inexplicavelmente. Era uma vergonha ter vertigem por causa de algo tão lindo, nem contei para ninguém . Tratei de me recuperar logo e mergulhei. Eu amava o mar e ele me maltratava, virou-me do avesso, em um caldo inesquecível. Até aprender a furar onda ou pegar jacarezinho fui vítima dele muitas vezes.

Só entendi que as ondas foram até legais comigo quando um conterrâneo foi a praia pela primeira vez no alto dos seus 40 anos, aproximadamente. O mar foi tão cruel que num capote levou a dentadura do sujeito e ninguém nunca mais viu; nem ele na praia, nem aquele sorriso postiço. A desilusão foi tão grande que o homem perdeu o dinheiro da volta da excursão e ainda embarcou no primeiro avião que saía de Vitória com destino a BH, de lá rumou para Ibitira no primeiro ônibus. A estadia que iria durar uma semana foi resumida em um dia.

E uma certa mulher que até hoje passa os verões no Espírito Santo também teve motivos para brigar com o mar. Uma onda furiosa levou um rote dela. Sorte é que só substituía um dente e o mais incrível, a maré resolveu devolver o dente para a areia. Isso já na volta do dia, ao entardecer, ela já havia ido em casa e voltado para a praia. Um homem saiu anunciando que achou um dente perdido, ela apossou-se do rote novamente e fez as pazes com o mar.

Um outro homem de Moeda, cidade cravada entre montanhas, pensou que mar era piscina, só que da natureza. Deu logo um finquete, pensou que era profundo e se viu de testa na areia.

Privilégio

Mesmo com as peripécias, essas histórias de mineiros ao mar, o mineiro que pode vê-lo e senti-lo é grato, principalmente na época que o conheci. Praia era privilégio de poucos na mineira Ibitira de 94. Minha mãe só o descobriu lá pelos quarenta quando eu já havia passado muitas temporadas em Guarapari; meu pai sentou-se a beira do oceano quando eu tinha um ano, mas porque estava trabalhando em uma cidade litorânea dos Estados Unidos em uma das épocas mais difíceis financeiramente para a família; minha avó materna só viu o mar pela TV e tem 73 anos; a minha bisa viveu até 93 e se foi sem conhecê-lo.

Não foi o caso da minha vó paterna, dona Rita. Ela já viu o mar tantas vezes que nem sabe precisar quantas. E o melhor, fazia companhia para uma apaixonada pela água salgada, dona Dionísia, lá de Moeda. Mesmo com a paixão, a neta dela conta que  não se aventurava sozinha, Rita a acompanhava. Durante todo banho de mar as duas ficavam de mãozinhas dadas. E como eram longos, a pele só não ficava enrugada porque a dupla não se soltava. Eu até acho que sei porque a senhorinha tomava esse cuidado, os causos que contavam dos outros mineiros ao mar davam medo, e se ela levasse um capote? Sábia era ela!

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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