Meninos e meninas

Meninos e meninas

Tive a sorte não me fechar no clube da Luluzinha nem de ter exclusivamente a companhia dos meninos na infância e adolescência. Embora com mais facilidade para fazer amiguinhos, convivi com o melhor (e o pior, às vezes) dos mundos de meninos e meninas. Uma hora eu estava no quintal improvisando um campinho de futebol, noutra entretida com as bonecas, na meninice.

De vez em quando os dois universos se misturavam, fui uma menina da roça, tinha perigo nenhum brincar na rua até tarde ou se misturar com os garotos em algum terreiro, que é sinônimo de quintal na minha cidade. Fazíamos trilha de “motocross” e passávamos a mil por hora nas rampas de terra e madeira improvisadas, só que de bicicleta. Eu era a bendito é o fruto nesta brincadeira. A construção da casa na árvore, que nunca passou do piso, umas tábuas de janelas antigas pregadas nos galhos, a força de trabalho era só dos meninos e a minha.

Tinha o barquinho também, testávamos no tanque de uma oficina, ele sempre naufragava, nunca chegou ao açude do avô do amigo, nosso objetivo final. Também estava entre as nossas engenhocas uma lâmpada portátil, essa deu certo, era bem simples. Antes de eu chegar ao grupo, ainda contaram que uma vez os mesmos meninos queriam testar um avião, pulando de uma casinha no quintal, ainda bem que não tiraram esta maluquice do papel. Talvez, por causa destes projetos mal sucedidos nenhum de nós cursamos engenharia.

Era muito divertido dividir meus dias com os meninos, azedava quando eles jogavam videogame. Acho que eu não gostava porque nunca fui boa com jogos, no entanto, a falta de habilidade não era um empecilho para ficar ao lado deles. Eu fingia que era desenho, principalmente nas férias, quando ia para o sítio da minha avó e brincava na casa dos vizinhos homens. Assistia Mário Broz, Street Fighter, Fifa 98 e outros menos famosos. Futebol de botão também era festa para nós.

Quando todo mundo começou a crescer também enfrentei momentos de tensão. Os papos sobre outras garotas apareceram, incomodavam. Nunca fui ciumenta com os amigos, porém era um assunto pouco interessante para mim. Eles também eram chatos, avaliavam todo mundo que se aproximava de mim, todos eram reprovados, nenhum tinha qualidade ou possuía um defeito que anulava todos os pontos positivos.

Era aí que as mocinhas entravam com suas pastas com ídolos teens – KLB, Hanson, algum galã da época de Malhação, Mário Frias, o Romão – nem lembro mais qual ator o interpretava. Elas também avaliavam sinceramente os pretendentes. Na infância, dávamos “shows” de dança cigana, música bahiana, além de brincar no cerrado, fora as brincadeiras tradicionais, como casinha.

O difícil da convivência com elas era o excesso de vaidade e papos vazios. Como eu andava mais com os meninos, não tinha tanto entusiasmo em me arrumar, achava chato, bem como todos os assuntos ligados ao mundo da beleza. Elas também pareciam ter uma certa resistência, pois eu andava muito com os rapazes, confundidos por vezes com namorados. As poucas que realmente eram minhas amigas fizeram tudo valer a pena. E hoje eu teria mais paciência com as conversas delas, as meninas pouco tinham culpa, eu que era meio torta mesmo. E continuo, com tudo que esses meninos e meninas me ensinaram, me fizeram gostar, em um híbrido que barreira de gênero nenhum conseguiu desvencilhar.

 

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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Você tem 5 comentários
  1. Íris at 12:24

    Sabe que também fui dessas? Preferia passar o tempo com os meus amiguinhos, as amiguinhas também estavam lá, mas em menor número, aliás, um número que diminuía cada vez mais. Mas me orgulho de hoje ter poucas amigas verdadeiras, assim como amigos que ´´ cuidam“ de mim desde sempre. A verdade, é que eu me identificava mais com o jeito largadão dos meninos, e as brincadeiras eram mais legais também….Quantas vezes minhas Barbies deixaram o Ken abandonado no fundo da caixa de brinquedos pra ir viver umas aventuras com o Max Steel, ou até mesmo sozinha ? Hashuashuas amo essas lembranças, seu texto me trouxe ótimas recordações.

    http://minhaspalavrasoblog.blogspot.com.br/

    • Talita Camargos at 16:38

      Sim, com certeza. Eu convivi e convivo bem com os dois. Tive mais amigos homens, na infância/adolescência, mas excelentes amigas também, hoje talvez eu tenha até mais amigas que amigos. Porém, isto pouco importa, o que interessa mesmo é saber extrair o melhor de cada um. Beijos

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