Luta antimanicomial: batalha por dignidade

Luta antimanicomial: batalha por dignidade

As pessoas sabem o que querem, mesmo que dar nome aos desejos seja um pouco mais complicado. Raul sabe, viveu por anos em um manicômio por causa da esquizofrenia, privou-se foi privado das vontades, perdeu contato com a família e ouviu falar em luta antimanicomial pela primeira vez nesta semana. A menina que tem tentado despertar os quereres do senhorzinho o convidou para a luta marcada para dia 18 de maio em Belo Horizonte . Sem nem saber o que significava disse sim, já que foi levado ao cinema, igrejas e praças por ela no último mês, experiências novas e boas no alto de seus 71 anos.

Aí ela resolveu puxar papo com ele e descobriu que ele sabia de tudo.

— Você sabe o que é luta antimanicomial? 

— Sei não.

— E manicômio?

— Manicômio eu sei, onde eu vivia era um manicômio, não era? 

— Era sim. 

— Ah, então eu acho que sei pra que serve essa luta. É pra eu poder comprar meu cigarro? É pra eu poder conhecer os lugares bonitos, poder passear? 

— Isso mesmo, Raul. 

— E sei outra coisa: é pra nunca mais levar choque na cabeça

— É, pra você poder fazer tudo isso. E Carnaval, você sabe o que é? O desfile da luta é tipo Carnaval, você vai até fantasiado, vamos fazer sua fantasia. 

— Nossa, esta luta é boa demais então. Vamos fazer a roupa, quero ir demais. 

— Sua ala se chama “Nunca mais abaixe a cabeça, independente do que aconteça”. 

— Eu sei o que quer dizer isto também: é que não posso aceitar ser humilhado. Esta luta é boa demais, tá cada vez melhor. 

A menina encheu os olhos e ficou com o coração ainda mais aquecido pela sensibilidade de Raul. Querer nem sempre é questãologo_pequena_liberdade_aindaquetamtam de vontade, às vezes o desejo fica adormecido por uma vida marcada por doenças, acontecimentos difíceis e é preciso que alguém mostre que pode-se fazer muito mais por nós mesmos e pelos outros. O Raul e muitas outras pessoas com transtornos psiquiátricos não vão levar mais choques, é a sociedade que precisa de choque para procurar outras alternativas de tratamentos, mais dignos e humanos.

E dia 18 cidades de todo país vão ouvir o enredo “Liberdade ainda que tam tam” e se perguntar o porquê de tudo isso. Quando souberem os motivos elas vão ficar loucas. Eu dava tudo para ver o Raul desfilar pela primeira vez e fazer seu Carnaval, porém meu coração já fica feliz por saber que ele tem conseguido viver de forma mais autônoma e feliz. Depois a menina responsável por tudo isto traz as histórias pra mim. Loucura é deixar que a crueldade dos manicômios exista como se fosse normal e a melhor alternativa.

 

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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