Lembranças nos objetos que ficam de quem se foi

Tem gente que faz quase um museu dos pertences de daquele amava e se foi, outros não suportam ver nada do que ele deixou. É uma questão muito particular, lembranças de quem se foi estão em objetos. Eu estou no meio termo, peguei alguns objetos e doei, junto com minha família, o restante, maioria. Antes chamamos as pessoas mais próximas para retirar um presente. Uns encheram os olhos e saíram sem nada, outros levaram e uns sorriram em ver os presentes.

No início doía demais olhar para o que retirei, com o tempo me trouxe até um certo conforto de ter algo que ficou juntinho dela comigo, as mais próximas as roupas, que por um bom tempo a acompanharam bem de perto. Quando coloco algumas peças que eram dela me sinto de certa forma abraçada, imagino os braços dela me envolvendo e até o cheiro. É um abraço que me confunde, faz com que me sinta melhor e triste, uma saudade profunda, sentimentos que tornaram-se comuns. R

Roupas entre eu e minha mãe eram sempre compartilhadas. Nem fazer a mala para Ibitira direito eu fazia, pois sempre encontrava uma blusa e uma calça dela que me servissem e agradavam. Apesar da pouca vaidade dela, e talvez por isso mesmo, tínhamos um gosto parecido. Ela sempre reclamava quando me via pronta para sair com as roupas dela, mas dias depois presenteava-me com o que eu tinha escolhido. Até evito de abrir o guarda-roupa que era dela e do meu pai, é estranho vê-lo vazio, só com roupas masculinas. Mas o costume era tanto que quando nos deixou, nos primeiros meses, tive que ir na casa da minha tia achar algo para vestir e sair.

Como minha mãe me deixou mal acostumada, lá em casa eu encontrava tudo que eu precisava, roupas, conselhos, broncas, carinhos… Agora sou eu quem tenho que cuidar de levá-la junto ao peito e de materializá-la nessas lembranças e objetos. Eu não sou nada materialista, mas sou “lembrancista”, uma mistura de um com outro. Guardo materiais que vão trazer para perto de mim tudo que vivi um dia e foi deveras importante. Sou capaz de esquecer documentos importantes, mas de lembrar de colocar na mala algo que traga uma recordação dos meus. Cuido para que seja sem exageros, pois sei que agora ela tornou-se algo bem mais sublime do que joias, roupas e sapatos, é um espírito de luz e devo mais senti-la do que tentar materializá-la.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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