Lembrança em flor

Lembrança em flor

Hoje me peguei com um sorriso no rosto e várias lembranças ao olhar para o cacto florido na minha janela. Foi um presente da minha mãe pouco antes de ela partir. Lembro direitinho do dia que ela chegou com a plantinha, miúda, parecia recém-plantada… Ela falou que uma casa sem plantas era uma casa sem vida e que por eu morar em um apartamento que quase não bate sol trouxe os cactos, fáceis de cuidar. Apesar da conhecida facilidade, nos primeiros meses parecia que o cacto iria morrer, mas depois de arrancado e replantado brotou, cresceu e deu flores, várias vezes.

Ao olhar o cacto e outras plantas que ela deixou compreendo muito o sentido da frase que escutei durante a vida toda – que antes de morrer todo mundo deve plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. É a continuidade do ser, ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore é quase transcendental, é ser maior do que somos. Quando a gente escuta essa frase interpreta como ordem e na maioria das vezes nem interpreta, eu nunca havia parado para pensar o quanto significa. Como filha, cuido das plantas que estão comigo e meu pai, jardineiro, por sinal, cultiva com carinho todas que ela deixou plantadas no jardim da nossa casa.

Deixar-se em rosas, cactos e árvores é ser eterno, em forma de aromas e cores. Minha mãe decidiu ficar por aqui assim. Acredito que as flores são um dos jeitos mais bonitos de ensinar a um filho o valor do cuidado. Lá em casa nenhum dos três escapou de regar o jardim, arrancar matinhos… Demorava, foi a biblioteca que ela e meu pai imprimiram para deixar no mundo, à la Alexandria. Foi com as flores que aprendemos o valor de cultivar e cativar. Nenhum dos três tornou-se jardineiro, mas cultiva o que quer para a vida. Eu cultivo os cactos que ela me deu e as gordurosas, que ela trouxe também. Cultivo valores que ela ensinava, uma sensibilidade que se escondia atrás de um jeito prático, mas que eu percebia.

Eu leio minha mãe em cada flor que desabrocha e até nas plantas que gritam por cuidado. Eu a vejo e lembro de tudo que ensinou. É um jeito bonito de estar no mundo, feito um jardim, com a lembrança de que as plantas só ficam vistosas se eu afofar a terra, podar, regar…

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

Oi, o que achou do texto de hoje?

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *