Joia de família

Joia de família

Eu me lembro da primeira vez que vi o anel da minha bisavó com a minha mãe. Não me recordo se ela ganhou das mãos dela ou se fez como eu, tomou a liberdade de guardá-lo como lembrança quando ela partiu. Porém, está viva na minha memória a maneira carinhosa que minha mãezinha falava da vó Preta. Eram histórias de amor entre uma neta e uma mulher de gênio forte, que se alegrava quando nasciam meninos na família e dizia que havia chegado ao mundo uma prasta, caso fosse uma menina.

Por ironia do destino, quem conheceu as duas diz que a minha bisa não desgrudava da minha mãe, uma neta mulher. Dizem também que a dona Neuza era a cara da vó, mais um capricho da vida. Alguns afirmam ainda que há semelhanças de comportamento entre uma e outra.

Minha mãe nunca o usou, talvez porque não quisesse ajustá-lo para manter exatamente como ele era. A vó Preta tinha os dedos grossos, já os da neta eram mais delicados.

Todas as histórias delas eu comecei a conhecer quando vi aquele lindo anel de pedra vermelha. Por isso, eu fiz questão de ajustá-lo e tratei de usar na primeira ocasião especial que vi pela frente, os 90 anos da minha avó paterna, dia em que entendi melhor ainda a importância da joia.

O destino fez da minha vó Rita enteada da primeira dona do anel. Como as famílias continuaram a se unir, meu pai era primo da minha mãe, vi e conheci muita gente que era próxima da minha mãe e da minha bisa na festa. E essas pessoas contavam causos da Neuza e da vó Preta. Quando eu contava a origem da joia as pessoas se emocionavam. Eu mantive-me firme, escutava tudo enquanto a saudade dava apertos que maltratavam o meu coração sem que as lágrimas caíssem.

Joia de família deve ter exatamente esta missão, reavivar o que ficou gravado na vida de quem se foi e que faz parte da gente. Eu sinto que há algo de vó Preta em mim, mesmo sem eu nunca ter eu visto nem foto dela.

E digo sempre que este anel está comigo, mas não é meu, é das minhas sobrinhas, filhas… Ele esteve com minha mãe por décadas e vai estar nas mãos de outras mulheres que ainda não chegaram a este mundo. Todas elas, no que depender de mim, vão ouvir falar da bisavó Preta, da vó Neuza e das outras e outros dos nossos.

As pessoas cumprem a jornada delas na terra, vão embora, mas o que deixaram só desaparece se a gente deixar.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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