Gigante mundo dos pequenos

Gigante mundo dos pequenos

A meninice é habitada por princesas, heróis, duendes e junto deles cabem todos os pequeninos. Vai ver que apenas o corpo fica no real, os pés alcançam as nuvens. Ser humano é pouco demais para uma criança. Eles querem ser invisíveis, sobreviver a maçãs envenenadas, ter desejos realizados com pó de pirlimpimpim… Tudo cabe no mundo de um menino. E no terreno da imaginação o impossível é mesmo uma barreira fácil de transpor.

Engraçado é que a garotada sabe que duas pessoas não podem existir ao mesmo tempo, nem com encantamentos. Só pode ser essa a explicação para disputa de quem seremos. Duas Elzas não cabem na mesma história, as garotas têm que decidir quem ficará com o papel principal quando entram no encantado mundo de Frozen. Na minha infância se tornar a princesa mais comentada do momento era difícil. Geralmente, a que falava primeiro era coroada.

Na pré-adolescência então, a disputa fica mais acirrada. Eu nem quis brincar de Chiquititas com as amigas, recriei toda novelinha sozinha. Correr o risco de deixar de ser a Mile? Nem que fosse para ter todo um castelo em troca. O sóton onde ela escrevia estava entre os meus maiores desejos. Fui Mile, e até hoje lembro dela. Quando sento na cadeira do home-office me pergunto se as raízes para querer ter um lugar reservado para criar não surgiu nos capítulos da novela.

Com Malhação foi um pouco mais tenso. Minha amiga de infância não cedeu o papel de Cacau de jeito nenhum. Tínhamos até uma revista com o mesmo nome da eterna novela, éramos apaixonadas com o programa na época do Mocotó. Ela não sabe, mas por um bom tempo fiquei chateada com a situação. Para não perder a amizade preservei o segredo até a publicação deste texto.

Ainda bem que com as apresentadoras não tinha muito erro, eu só poderia ser a Mara, as loiras, mais disputadas do que ela até, não combinavam comigo.

Há pouco tempo me perguntei se ainda era desse jeito. Meu afilhado mostrou que sim. Com dois aninhos e meio não parava de querer alcançar lugares altos. Falei por vezes que ele não era o Homem Aranha e ele discordava. Quando pedi para mostrar, estendeu as mãos, mas eu não vi as teias. Foi aí que ele bateu a testa, fez um galo e viu que era um menino igual aos outros. Mais tarde, quando a mãe pediu para ele pegar algo no alto ele examinou bem a altura de 80 centímetros mais ou menos e gritou: “Eu não sou o Homem Arranha, não dá”.

E geralmente é assim que os encantos começam a se quebrar, quando batemos a cabeça, quebramos a cara. Só que são necessárias muitas outras vezes, tenho certeza de que agora o meu garoto está convencido novamente de que tem superpoderes.

O real é muito pequeno para a grandeza da infância

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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Você tem 6 comentários
  1. Rodrigo Nolasco at 6:21

    Leio todos Talita. Como vício, algo desenfreado. O primeiro foi ótimo, o segundo melhor ainda, o terceiro já me viciou, e os próximos vão surgindo, e eu lendo, e acompanhando, e aguardando ansioso por novos que ainda estão por vir!

    O que eu penso sobre seus textos você ja sabe!

    O de hoje: especial! Gostinho doce de infãncia na boca. E à medida que você falava daquilo que na sua infância lhe marcou, da minha as lembranças vinham a tona.Os desenhos, os heróis, sonhos e encantos. Agora, saudade!

    Obrigado, de novo!

    • Talita Camargos at 12:40

      Rodrigo, agradeço cada palavra sua e minuto no Texto do Dia. Ter companhia ajuda a continuidade da escrita, aumenta minha vontade de produzir diariamente. E talvez a infância seja um dos lugares onde mais encontro inspiração, histórias gostosas, que apertam o peito de saudade, aí dá vontade de reviver de alguma forma, nem que seja com a escrita. Um abraço e até os próximos!

  2. A Doiis at 14:01

    Quem nunca sonhou ser outro? Afinal ser nós mesmos sempre era um pé no saco! Era muito mais encantador ser um personagem secundário do que ser apenas eu, não é?
    E quando foi que o ser eu nos dominou? Não lembramos quando o encanto quebrou e nós simplesmente aceitamos que éramos apenas humanos.
    Talvez ainda não tenhamos aceitado, vai saber.

    http://www.adoiis.blogspot.com.br

  3. Hayanne Deise Lins at 19:26

    Que texto perfeito, gente!!!!
    Fiquei rindo sozinha aqui porque me identifiquei bastante com ele, eu era desse jeito. Quando eram as Bratz eu era a Sasha, quando eram as princesas, eu era sempre a morena. kkkkkk Acho que isso faz parte da infância.

    Mas crescemos e percebemos que a vida real não tem nada a ver, nem somos príncipes e princesas auto-intitulados. kkkk Amei o texto. :**

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