Flores para os mortos sim, por que não?

Flores para os mortos sim, por que não?

Antes de  ver a morte na sala de casa, só nos arredores, nos velórios de conhecidos ou parentes distantes, é fácil dizer que só os vivos merecem flores, dedicatórias, serem lembrados. De fato, enquanto quem é importante está ao lado deixar declarações de amor mudas,  recolher abraços, negar beijos e encontros é ignorar que um dia eles não estarão mais aqui e desprezar momentos que fazem falta em qualquer momento da vida, seja com a pessoa presente ou não. Dói, pelo menos para um dos dois, a indiferença, a falta de contato.

Mas quem lida com a morte de maneira muito próxima não esquece e só tem a memória como presença. Pode ser que não se pronuncie o nome de quem se foi, que não vá nenhuma vez até a lápide nos dias 2 de novembro, mas do pensamento não se escapa. Ele é perverso no início e em alguns dias, desconfio, mesmo que décadas da partida tiverem passado, ele vai me maltratar de repente quando eu pensar que estou totalmente refeita.

Entretanto, os mortos merecem flores sim, por que não? As minhas são em forma de texto, conversar com o olhar voltado para o céu e lembranças doces, além dos cactos que minha mãe plantou e rego para eles viverem durante muito tempo fazendo-a presente em forma de flor.

Ao cemitério eu não consigo e nem quero ir. Para mim, é lugar dos mortos e sinto até falta de ar ao pensar que no túmulo estão só os restos. Prefiro pensar em como minha mãe era quando cheia de saúde, no jardim da minha casa, nas ruas de Divinópolis onde sempre vinha e aproveitava para me visitar, que ela está em um lugar bem melhor do que lá.

Mas não critico de forma alguma quem vai levar flores para eles. Também não acredito que quando morre acaba, nem pra quem fica, nem pra quem parte. Eu fiquei repleta de lembranças e ouço vozes, sempre que preciso decidir algo muito complexo tudo que ela me ensinou em vida volta, sei exatamente o que minha mãe diria e encontro forças para seguir. Para ela creio que o aprendizado continua também. É questão de crença, eu sei, e respeito quem pensa diferente como quero que me entendam.

Flores só em vida? Não, flores para os mortos sim! Quem foi muito importante merece ser lembrado de forma bonita e homenagens, não só com lágrimas. Quem fica o entendimento dos que não eram tão próximos.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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