Ficar: verbo que tornou a adolescência nos anos 2000 mais difícil

Ficar: verbo que tornou a adolescência nos anos 2000 mais difícil

Os pais perguntavam o que ficar significava logo que o termo ganhou força lá pelos anos 2000. Pronto, a confusão começava. O rolo para traduzir a expressão era maior do que com qualquer furada amorosa. Eles não entendiam, ou melhor, não aceitavam. Consideravam muito estranho só dar uns beijos, encontrar de vez em quando sem nenhum compromisso. No dicionário deles, ficar era verbo de ligação, aqueles que não indicam ação segundo a gramática. Mas tinha e tem ação demais no novo ficar. E isto enchia de caraminholas a cabeça dos pais nos anos 2000, eu senti isto na pele.

Quando eu tinha meus 14 anos, ficava com um garoto da escola. Não era um namorado, mas um ficante fixo.  E quando minha mãe me colocou contra a parede por desconfiar minha demora para chegar da aula, foi pior ainda. O que eu falaria? Tive que contar, mas usei a expressão namoro só porque era mais aceitável para ela. E acabou virando namorado, pois só podia continuar a me encontrar se fosse algo assumido, quase nos moldes antigos, com ela de olho.

Esquisito é que um dia, quando meu pai perguntou pela milésima vez o que era ficar, já com o fim do meu namoro, disse que havia entendido. Confessou que já havia ficado com muitas na juventude, pois dava uns beijos, encontrava de vez em quando, mas não era nada sério. Algumas eram ficantes fixas, como meu “namorado” que levou ele e minha mãe às lágrimas, mas chamadas de namoradas mesmo assim. Acho que o problema era mesmo a conotação da palavra ficante, porém me surpreendi a hora que ele revelou outro sinônimo – ROLO – bem pior do que ficar, né?

Anos depois, mais precisamente 8, minha irmã, já teve uma adolescência na qual o termo era mais bem aceito. Viram que entre conhecer e namorar às vezes a gente precisava de um tempo para experimentar, ver se valia a pena apresentar aos pais. Mas foram os jovens dos anos 2000 que desbravaram e inauguraram o termo complicado não só de explicar, mas de viver. Pois a incerteza de se o carinha se tornaria um namorado ou não nem sempre era legal. O contrário também, quando a gente não queria nada sério e a pessoa estava com a expectativa de um relacionamento mais sério, complicava o meio de campo também. E com os pais, com a querencia de um namoro ou só um rolo dava na mesma, não engoliam o tal do ficar.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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