Quando a vontade não basta

Quando a vontade não basta

Há quem viva na cidade sem vivenciar o que ela oferece. Soube de um homem que morou em Belo Horizonte por anos e nunca foi à Praça Sete ou passou pela igrejinha da Pampulha. É que ao longo dos 71 anos o senhorzinho enfrentou algumas crises de esquizofrenia, criou mundos e  hoje vive na capital mineira sem conhecê-la. Relativamente estável, mas solitário, ele se diz maravilhado com história, igrejas e aprender mais, no entanto fala em livros e não em visitas em loco para conhecer tudo com os próprios olhos.

Uma jovem foi até ele, conheceu estes gostos e tem tentado tirá-lo de casa. Entretanto, sair vai muito além do desejo nesta história. Tem gente que pensa que todo transtorno psiquiátrico se resume à depressão, loucura e a vontade da pessoa em sair daquele estado é o que conta. Só que não é bem assim. O ser humano é mais complexo do que seus quereres e alguns têm que lidar com variações hormonais maiores e outros tantos males para conseguirem ser como a maioria julga ideal. É o caso do senhorzinho, ainda bem que a menina estuda estes distúrbios e sabe disso.

No início, o homem estava cabisbaixo, mas depois olhou nos olhos e disse que havia gostado dela, para voltar em três dias. E a estudante retornou com uma apresentação de fotos de lugares para os dois passearem. As imagens de pontos turísticos tão comuns para os belorizontinos pareciam fotos de cenários de contos de fada para ele. Encantado, ele lia as informações históricas que a menina incluiu nos slides. Depois, falou:

—  Belo Horizonte é linda, não sabia que existem tantos lugares para conhecer aqui – comentou encantado.

 

E o papo seguiu mais um tempo sobre o que ela mostrou. Animado, ele disse que também queria levá-la para conhecer uma igreja pertinho, a dois quarteirões da residência. Eles já estavam quase lá quando o senhor pediu que voltassem.

— Minha cabeça está pesada, vamos voltar? Preciso descansar a cabeça.

Os dois voltaram. No caminho ele ainda disse que a noite anterior não havia sido fácil, pois tem medo de dormir, porque o espírito vaga e morre, depois retorna, quando ele ressuscita e fica sem coragem de adormercer novamente. Vai que a morte dure para sempre, né?

Quando ela se despediu dele, o senhorzinho explicou o caminho da igreja e falou para ela não deixar de ir. Mas sem ele não teria graça. Daqui a três dias ela volta de novo e tenta levá-lo, com métodos que vão bem além da vontade. Sem ele, a moça sabe, o passeio à igrejinha não fará nenhum sentido.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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