Inesquecível

Inesquecível

Eles se sentaram juntos, mas não deram as mãos. Sequer se olhavam direito, só que vez por outra trocavam um relance meio encabulado. Não eram propriamente estranhos, só que também não eram tão próximos.

Era um dia ensolarado e mais à frente um grupo de crianças jogava bola na areia do parquinho. Ao redor deles, canteiros meio ressecados lutavam pra desabrochar umas florezinhas mirradas, mas bonitinhas.

Eles marcaram o encontro num desses apps de ~relacionamento~, ficaram duas semanas inteiras conversando todo dia – e quase o dia todo – antes de realmente quererem se ver. Trocaram muitas fotos e confidências antes.

Acontece que agora, lado a lado, o assunto teimava em fugir. Até parecia aquelas outras crianças, ali mais pro lado, que brincavam pique-esconde: ora se juntavam, ora saíam correndo e sumiam.

E eles continuavam ali, se esforçando pra manter uma linha permanente de diálogo, mas caindo em reticências e silêncios numa frequência assustadora. Não é que não tava dando certo. Aliás, talvez muito pelo contrário.

Isso porque não existia constrangimento em ficar em silêncio ali do lado, só observando o entorno sem precisar falar. E quando um assunto surgia, era muito mais por um complemento da companhia que pela obrigação de conversar.

Insistiam em trocar palavras? Insistiam sim! Mas porque gostaram de escutar um a voz do outro. Era agradável, confortável, prazeroso. Quase tanto quando o calor do sol que lhes ganhava a pele.

Sem perceberem, o tempo foi passando e a hora de se separarem chegou. Estranho é que, embora existisse ali um sentimento leve de perda, não era uma coisa sofrível e insuportável. Era apenas a constatação de que “por hoje é isso”.

Despediram-se sem muita pressa, é verdade. Não fizeram juras, nem promessas impossíveis de cumprir. Mas também não deixaram de marcar o segundo encontro – que certamente seria antecedido de muitas mensagens, fotos e confidências à distância.

Quando o segundo final chegou, apenas olharam-se nos olhos, tocaram disfarçadamente as mãos e sorriram. O selinho foi tão rápido que poderia ter sido confundido com um aceno de cabeça meio perto demais.

Pros dois, porém, foi a confirmação de que não era preciso nada espetacular para transformar uma tarde ensolarada na pracinha do bairro em um dia inesquecível.

Escritor por Simião Castro Veja todos os textos deste autor →

Simião é jornalista, repórter de política, escreve contos e crônicas. Também conta histórias em áudio, vídeo, o que você pedir, é produtor multimídia, saca um pouco de tudo. “Eu tento ser um jardineiro das palavras, um aventureiro das sílabas. Duvido de tudo e prefiro assim! As certezas me assustam. Quem tem certezas demais também”.

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