Dor viajante

Dor viajante

Algumas das minhas dores são viajantes, vêm de tempos em tempos me fazer uma visita. Tem dor até com dia e horário marcado para chegar, pra ir embora também. Deixa bem claro: “ano que vem eu volto aqui de novo”, é redundante para deixar a certeza de que não tenho como escapar. Digo pra mim: “bobagem, se vier fará um estrago menor do que tem feito em meus agostos, vai ficar mais suave a cada ano”.

Chego a pensar que ela vai deixar de vir ou que ficará só um, dois dias, será leve. Mas quando olho pela janela e me despeço de julho ela dobra a esquina custando a carregar as pesadas bagagens. Neste ano, pensei que viria com menos coisa na mala. Achei que nesses quatro agostos que ela não me larga começaria a caducar e esquecer alguns itens para trás. Nada! Adicionou mais saudades, aguçou as lembranças, conseguiu ficar pior do que antes, me espezinhou…

Em outros meses do cachorro doido, cheguei a levá-la para passear. Tomei sorvete com a dor, escrevi crônicas felizes com ela do meu lado, assisti a shows e vi saraus nessa companhia pouco amistosa. Aposto que ficou descontente, viu que não era tão fácil ficar comigo. Mas insistente na visita anual, volta logo depois que o passeio acaba, cada vez mais desanimada, prestes a perder para a alegria.

Neste 2017 cheguei à conclusão de que ela só iria embora depois que doesse, e muito. Praticamente me entreguei por umas boas semanas. Não consegui tirar as palavras para dançar no papel e dar um chega pra lá na dor. Os caminhos por onde eu passeava com ela e brincava de deixá-la para trás nem que fosse por menos de uma hora pareceram mais distantes e difíceis de chegar.

Dei um jeito de botá-la para fora em meados do mês porque nem eu estava conseguindo conviver com a pessoa que me tornei na primeira quinzena de agosto. Não suportava mais a visita inconveniente, ela me contagiou. Em todos os cantos me olhava com a pior face, descabelada pelos ventos incessantes deste mês. Tive até que pedir força a quem com fé derrota tudo de ruim que essa dor trás: um desânimo desolador, choro, pouca vontade aproveitar o melhor da vida.

Eu não sei se ano que vem ela chegará para ficar por pouco ou mais tempo. Porém, eu quero ter a capacidade de ser gentil comigo. Como já fiz algumas vezes, quero dar um olé nessa dor com hora marcada. Pode até vir se resistir aos bailes cheios de alegria que a levarei, à sorveteria com gosto de infância e às melhores lembranças que ela tenta apagar.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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