Crônica policial para Ibitira

Crônica policial para Ibitira

Ibitira era terrinha muito da sossegada. Aos meus sete anos, eu tinha a certeza de que Dirceu e o Cabo Paulo (de quem eu não lembrava o nome e achei por anos que se chamasse Cabo) estavam ali para nos ajudar a fazer pipa na época de bons ventos, quando a única graça de Agosto era poder ficar na rua e ver o papagaio ganhar o céu azul.

Minha mãe sempre dizia para eu pedir ao Dirceu me ajudar com o brinquedo, era o confeccionador de pipa oficial da cidade.  Sempre que vejo uma em direção ao céu, onde o Dirceu deve estar, me lembro dele. Aquele policial sempre estava lá, fardado e disposto a ajudar a criançada. Engraçado é que eu nunca soube sequer a patente do Dirceu. Pra mim ele era um policial muito gentil e que zelava pela nossa segurança em um tempo que podia-se dormir com as portas e janelas destrancadas. Prefiro não dar detalhes de como, paradoxalmente, teve fim a vida dele, no exercício da profissão na mesma Ibitira tranquila.

Fico pensando se hoje ele estivesse entre nós, com certeza teria sido transferido, pois há anos o distrito está apenas sob os olhos de Deus – A mercê da bandidagem. Toda vez que chega uma notícia sobre crimes lá, a maioria assaltos, eu me lembro dos tempos que mais do que policiais presentes na cidade tínhamos amigos, sabíamos quem eram e estavam sempre a postos.

Também saía com meu gravador a tira-colo e entrevistava o Cabo. Ele morava junto à delegacia(na verdade posto policial, mas chamávamos de delegacia), antiga Estação de Trem. Os anos levaram os temas das entrevistas, não me recordo. Para ele sempre era tempo de receber eu e mais uns dois amigos da escola com uma paciência santa, foram inúmeras as conversas com ele para fazer sei lá o que, acho que era mais uma brincadeira mesmo.

O Cabo também ajudava as mães a passarem um sermão dos bons nos meninos custosos. Uma vez, minha mãe levou meu irmão até à delegacia e o Cabo o mostrou o caminho do bem, parou de aprontar um pouquinho. Funcionava, eram autoridades e parceiros da população.

Pra mim, polícia no lugarejo era algo tão comum que eu custo a crer que hoje não tem ninguém por lá. Na minha cabeça de menina, eu iria acompanhar policiais até a velhice fazendo ronda na pracinha. Minha meninice ignorava possibilidades de transferências, pra mim era o Cabo e o Dirceu que permaneceriam por lá(se estivesse vivo, claro). Tiveram outros depois, mas não falo deles porque o meu contato com o Cabo e o Dirceu eram bem maiores.

Diante deles eu jamais iria imaginar que existe policial que faz o mal também, só fui descobrir anos mais tarde e a imagem dos dois sempre me vinha como um exemplo bom. Eu sinto muitas saudades dos dois, por terem sido amigos da população e respeitados. Os tempos eram outros, porém tenho certeza de que duas figuras como o Cabo e o Dirceu ajudariam bastante hoje. A cidade cresceu e em vez de enviarem mais gente para a segurança pública tiraram tudo que havia.

Sinto falta de quando era tudo tão tranquilo que eles estavam ali para qualquer eventualidade ou para receber uma menininha entrevistadora ou louca para aproveitar a temporada das pipas. Tenho certeza que Ibitira sente ainda mais saudades dos dois, não só nos momentos em que eles seriam chamados, mas para evitar que a bandidagem pense que não há quem defenda a população.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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