Conversas de um sonâmbulo com a esposa

Conversas de um sonâmbulo com a esposa

Não é novidade dizer que para um casal ficar junto é preciso conversar e saber ouvir. O meu marido leva a prosa tão a sério que fala comigo por noites inteiras e eu escuto tudo. Ele nem eu somos loucos, mas temos características que fazem dele bom de papo e de mim uma boa ouvinte. Sonâmbulo e insone na mesma cama, o casamento perfeito – um fala e ao outro só resta escutar.

Antes de me casar dividia as noites sem sono com a escrita, TV, livros; agora ouço as histórias dele. Ontem mesmo Morfeu, deus do sono, só veio me visitar lá pelas 4 da matina. Se eu retomasse a leitura do livro da vez com certeza iria ver o sol raiar, televisão não me entretém tanto, é sonífero vagabundo para mim, e nem preciso falar que escrever me deixa a mil também. É por isso que optei por ficar na cama, o grande problema é que ele nem sempre tem fala compreensível durante o sono. Entretanto, quando o papo vem com clareza me divirto muito.

Foi por causa do falatório noturno que comecei a concordar com os cientistas. O sono realmente parece ser fundamental para sedimentar o que aprendemos durante o dia. Ele, pelo menos, só sonha com o que  aconteceu. Teve dia de pegar os travesseiros e começar a batê-los na cama, falava que havia fogo, mas ainda bem que conseguiram controlar!, exclamava. Contei no dia seguinte e meu marido confirmou: um princípio de incêndio atingiu a fábrica onde ele trabalha. Os colegas da empresa também comentaram sobre o fato quando saímos juntos.

Aulas do sonâmbulo

Tem dia noite que o sonambulismo mais parece aula de mecânica industrial e elétrica, pena que a aluna pouco se interessa pela área. Mesmo assim dá para aprender alguma curiosidade para jogar no papo da mesa de bar. E se me chamar muito atenção ele me explica na manhã seguinte, às claras.

Eu morro de inveja dele, agora mesmo, enquanto escrevo, acabou de dizer: “cochilei sentado aqui”. Eu rezo, perco a conta de quantos carneiros passaram por mim, tomo fitoterápico para relaxar e nada. Quando a insônia resolve me visitar faz com que eu fique com meus pensamentos acelerados. Com o tempo aprendi a fazer com que a cabeça seja menos impiedosa comigo no escuro, mas antes sofria muito. O mais engraçado é que ela não é contínua, alterna fases de loucura com as de sono tranquilo e até com uma sonolência fora do normal. Eu dizia uma época que não tinha insônia, o nome havia passado para sônia de tanta necessidade de dormir que eu tinha. Nem venha me dizer que preciso me exercitar, comer direito, me sentir cansada, tento fazer tudo isso.

Quando estou triste ela me abandona, durmo como um anjo, para esquecer, acredito. Até penso que não seja como um anjo, mas com os anjos, eles devem cuidar de mim quando a vida insiste em ser perversa. Agora peço para eles me fazerem sentir melhor acordada e que o sono venha certeiro, sem excessos nem falta. Aí vou saber do dia do meu marido só nessas conversas gostosas de quando a gente se encontra depois de um dia cheio de trabalho.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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