Palavras que faltam

Palavras que faltam

É muito difícil dizer do que sinto mais falta desde que minha mãe foi embora. Mas tem uma saudade que chega todo dia: a hora que eu telefonava para ela. Já até coloquei a terrível sensação deste silêncio no topo da lista do que é pior para mim, mas, como eu disse, é quase impossível dizer se é mesmo a falta dela do outro lado da linha que me faz mais falta. Talvez eu tenha achado que era mais duro por doer todo dia, sempre depois do trabalho.

Falávamos das novidades, surpresas, dificuldades. Quando nada acontecia também tínhamos assunto. E mesmo quando o trivial era a conversa, eu sabia que tinha ela ali, para me escutar. Hoje eu até evito discar no telefone fixo, medo de chamar e não atender. Ela sempre foi muito caseira e não ter ninguém em casa no momento que ligo confirma ainda mais o espaço que a dona Neuza deixou. Prefiro tentar no celular do meu pai, sei que a única pessoa que atenderá é ele, lá em casa também, ele agora é o único morador de lá. Mas quando fico cara a cara com algumas realidades, sinto o peso de um tapa.

Ainda não consegui passar sem dor pela hora do telefonema. É verdade que às vezes eu contava algo empolgada e ela ficava muda do outro lado. Eu sempre falava: “iii, não vai falar nada?”. Mas no fundo eu sei que ela escutava, as melhores amigas dela sabiam quase tudo de mim, falar dos filhos era um prazer, repetia tudo que eu contava para a vizinhança. Quando eu chegava em Ibitira recebia os parabéns pelas minhas conquistas, elas me perguntavam coisas que só quem ouviu uma história antes poderia saber. Até continuam a perguntar, de forma mais geral, porém, quando abro o portão não tem ela no sofá fazendo crochê ou à mesa cercada de anotações para me dar conselhos, nem abraços, nem café.

Hoje, quando entro na casa que sempre será minha encontro boas lembranças e saudade por todo canto. E as recordações me fazem sorrir, me dão pistas do que ela diria se estivesse aqui e confirmam que a passagem dela não foi em vão, obedeço tudo que me ensinou.

No entanto, é inegável que tudo ainda chega com uma pontinha (ou mais, depende de muita coisa) de tristeza. Eu queria muito, em vez de estar escrevendo agora, contar que nesta quarta nada de extraordinário aconteceu e tê-la, do outro lado da linha, devota às palavras simples que eu diria, independente do assunto.  Às vezes ainda falo em voz alta com ela, conto a minha vida, de alguma forma ela deve me ouvir.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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