Fala que eu te escuto, ou não

Fala que eu te escuto, ou não

Desconfio que chegará o dia no qual teremos que reaprender a conversar e escutar, como bem faziam nossos antepassados. Cogito até a possibilidade de serem habilidades ensinadas em cursos, presenciais, desses fora de moda. On-line é impossível. Afiados no uso de aplicativos silenciosamente tagarelas, a voz e a audição serão o cerne das questões. Celulares, tablets e o que mais inventarem até lá terão que ser deixados do lado de fora para evitar que o aluno se perca em uma desconversa moderna.

Hoje estamos mais silenciosos e muito barulhentos.

Vivemos ao lado, com celulares nas mãos, computadores à frente, sem enxergar e principalmente conversar, no sentido mais simples e literal do termo. Quer dizer, falar é bem fácil, desconheço quando aprendi, mas conversar, se entender, é outra história.

Falha de comunicação

E a todo tempo o telefone avisa que uma nova mensagem chegou, a caixa de entrada escancara uma notícia nova, solicitações sem fim chegam e nem por isso sabemos o fundamental. Escutar é outra habilidade que tem sido desaprendida, estamos nos acostumando a ver mensagens em tela e esquecemos de ficar atentos ao que chega pelos ouvidos, caminho natural das palavras de quando se está com as pessoas.

Por isso é que em determinados momentos  alguém pergunta se cumprimos determinada tarefa e vem a surpresa:

Uai, ninguém me falou nada!, respondemos
Jurava que havia dito/ Falei para fulano te pedir/ Ah, houve uma falha na comunicação – são algumas das justificativas.

Acontece ainda de estarmos em casa e recebermos várias orientações para o dia seguinte de trabalho e até para a tarde. Os recursos devem ser aproveitados mesmo, porém tem muita gente esquecida de um instrumento simples: a voz. Ignoram o outro quando perto e falam quando longe. Dialogar não é tarefa das mais fáceis, porém cabe a nós nos entendermos, aproveitar que estamos juntos para trocar ideias, facilitar processos e a própria vida ou em breve nos veremos inscritos em cursos de fala e escuta, a escutatória, inclusive, que Rubem Alves já sugeriu.

Verdade que os e-mails e aplicativos de mensagens também funcionam para registrar o que de fato dissemos, quem conta um conto aumenta um ponto, palavras pronunciadas parecem ser levadas pelo vento. Há quem edite diálogos como lhe convém e o que foi enviado é imutável, só padece das interpretações oportunistas, fica como prova, eu uso até. Aí a escutatória virá com mil e um módulos num curso que não passará do nível básico.

As aulas destinadas ao bom uso da fala também serão apenas nível 1, pois avançado será um certificado para aqueles que terão a simplicidade de se expressar sem rodeios, palavras difíceis e com sinceridade; ouvir com humildade, não escutar só um lado e nem dar ouvidos ao que pouco acrescenta à condição humana.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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