Casar manias: guerra e paz

Casar manias: guerra e paz

Algumas manias são ruins e lutamos para perdê-las. Outras são boas, umas inofensivas, embora incomodem, principalmente os maridos e esposas. E só quando as escovas convivem bem de perto é que vemos ou nos sentimos incomodados. No começo, com certeza há muita tentativa de mudá-las, mas eu aprendi que o jeito mais fácil de lidar com a mania do outro é rir. Porque como diz uma canção de Los Hermanos, “se a gente já não sabe mais rir um do outro, meu bem, o que nos resta é chorar”.

Mas tem vezes que eu choro. Porque mudar manias é algo difícil e até perigoso em alguns casos, pois mania é uma junção de muito do que trazemos no DNA e na digital do comportamento. Perder algumas manias é como deixar para trás uma parte muito forte da gente, e que em geral nos diferencia.

Eu até podia escrever um texto em que romantizasse a convivência com as manias do meu marido e ele com as minhas, mas eu seria uma mentirosa. Tem briga, tem choro, tem nervosismo se nos cansamos. Dá vontade até de voltar a namorar, ficar cada um em seu canto. Continuamos humanos, apesar de mais rir do que chorar das manias um do outro. E isso é o que faz a gente continuar debaixo do mesmo teto, casando manias, em uma eterna relação de guerra e paz.

No namoro as manias ficavam camufladas porque elas precisam de muita intimidade para se mostrarem. É mais que um nude do comportamento, da alma. Nude de corpo tem pose, de quem somos de verdade é bem cruel. É  como ser pego desprevinido por um paparazzi, sem nada pra esconder o que é tão forte que fazemos sem ver e que salta aos olhos do outro. Em alguns casos, a interpretação do que o outro vê nem é bem o que é real pra gente.

Eu, por exemplo, não me importo de deixar as vasilhas sobre a pia para lavar mais tarde. Para ele é como declarar guerra. Aprendi: meia hora antes de ele chegar dou uma olhada se não esqueci nada sujo. A paz reina, o problema é quando esqueço ou ele chega mais cedo. A noite é de bombardeios.

Não consigo cobrir o pé para dormir. Chegamos a um acordo para que os dois pudessem ficar confortáveis na hora sagrada do sono. Eu queria muito uma companhia para assistir séries comigo, mas pra ele qualquer coisa na TV é sonífero. Ele precisa estar sentado e mesmo assim isso não garante que terei a companhia dele acordado. Desde que o volume esteja baixo, ele respeita meu ritual de relaxamento, preciso de um episódio por dia para me desligar das preocupações e acalmar o cérebro.

Com uma mania de organização dos mais fortes que já vi, tem o hábito de deixar toalha molhada sobre a cama para quando for dormir estar fresquinho. No início, eu usava como munição para nossa guerra contra as manias. Na verdade, pra defender as minhas que têm bem a ver com não ser lá muito certinha. Declarei paz há pouco, depois de ver que mania com mania não se paga.

A gente não se emenda pra umas coisas, inofensivas e, o pior, incômodas. Segue sendo o que é, sem nunca saber quando a paz vai acabar, mas sempre arruma um jeito bom de continuar, rindo um do outro, bem mais que chorando.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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