Cantoria passarinhada do pedreiro Clementino

Cantoria passarinhada do pedreiro Clementino

Clementino aprendeu logo cedo a ajudar o pai pedreiro, foi na lida com tijolos e cimento que aprendeu a profissão. Primeiro – servente; poucos anos depois – pedreiro. E que nem o pai, de colher cheia. Desde a primeira vez que saiu de casa, ainda garoto, Clementino nunca clamou por trabalho. Com a trupe do seu Manoel, só tinha folga no domingo e só reclamava quando as costas doíam. Tinha outra: cantava para seus males espantar, confiava no dito.

Só que enquanto ele mandava o que tinha de ruim pra longe, os vizinhos das obras fechavam as janelas como quem dizia que era para calar. Ele não entendia o recado e seguia. Com os dias, um mais corajoso (e irritado) mandava um “Cala boca, pedreiro”, bem literal. Clementino fingia não escutar e ia dos clássicos do sertanejo até as trilhas sonoras das novelas. Só que chegou o dia que a trupe foi contratada por uma grande empreiteira. A reclamação chegou ao mestre de obras que fez Clementino se calar.

Ninguém mais trabalhava como antes. Seu Manoel achava que faltava algo. Eustáquio não suportava o barulho da furadeira e das buzinas no horário de pico, sem que ele percebesse, a voz de Clementino camuflava a euforia da obra e o clamor da cidade. De vez em quando ele começava sem querer e logo era lembrado da proibição. O homem que desde os oito anos nunca havia reclamado de um dia de trabalho, passou a se queixar até durante o expediente.

Mas a salvação veio de uma árvores com um ninho de pardais. Os passarinhos cantarolavam o dia todo e ninguém falava nada, vez ou outra uma das senhoras que se queixavam do canto de Clementino até elogiava o assovio dos pardais. Clementino pensou: “Na próxima vida, venho passarim só pra ninguém falar nada do meu canto”. Ficou nessa uns dias e decidiu que podia fazer como os pássaros nesta encarnação mesmo. Começou a entoar sofrências, modões e o que tocava na novela das 9h.

A furadeira parecia fazer menos barulho. Um motorista nem levou a mão na buzina de tão bonito que estava o assovio e as donas das casas próximas da obra abriram a janela para ver de onde vinha a canção soprada. Suave, sem desafinar, ele recuperou a alegria de trabalhar, seu Manoel e os companheiros faziam até um back vocal passarinhado. E assim, formou a equipe mais tranquila de obras. Tinha um detalhe que os diferenciava dos outros também: em vez de cantar as moças, eles assoviam as canções, calmos, alegres, e eram as moças que prestavam atenção neles.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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