Boa imagem X boa foto

Boa imagem X boa foto

Era para ser um encontro informal para jogar conversa fora, beber cerveja, comer alguns petiscos. Claro, faríamos algumas fotos para registrar o momento, postar nas redes sociais. E as selfies, que eram apenas um detalhe, tornaram-se vedetes da reunião. Aí o bate-papo ficou entrecortado, era difícil acabar uma história, um comentário em meio a tanta pose. Depois ainda tinha a fase pós-foto – avaliar se todos ficaram bem, se a imagem podia ser publicada e com qual legenda. Até aí, tudo bem, me senti um pouco incomodada, porém selfies são um fenômeno do meu tempo e eu é que devia ser a chata, tinha que me conformar com tanto registro. Todo mundo faz, né? E como!

Meia hora depois, as imagens começaram a ficar todas iguais. Afinal, estávamos em uma mesa de bar, na calçada, com garrafas e copos de cerveja compondo o cenário. Os petiscos só podiam aparecer assim que chegavam à mesa. Foi aí que a mais sofisticada da mesa, que já viajou meio mundo, levantou-se e sem nenhuma cerimônia  pediu que as pessoas que estavam dentro do bar dessem “licença” das paredes com mais de 200 garrafas e depois de lugares com quadros bonitos, criativos. Preferi continuar na minha mesa. Devem ter pensado que fui grossa, sem educação, a única mulher que não apareceu na foto só das “moças”. E não é que a foto ficou linda? As fotografadas não sossegaram enquanto os rostos não pareceram os mais bonitos que conseguiam.

Quando se sentaram novamente reclamaram de a cerveja ter esquentado, mas a foto já tinha algumas curtidas, comemoraram! O preço que se pagava por uma bela foto valia a cerva artesanal, importada, choca. A medida que chagavam pessoas conhecidas da companheira viajante, as fotos se multiplicavam, a conversa ficou rala, se resumia a “posso postar?”, “nossa, você não ficou bem nessa, vamos repetir”.

Nos comentários das fotos, muita gente comentava o quanto aquela jovem senhora era elegante, sempre chique, sinônimo de sofisticação! E se eu olhasse as fotos de casa, acharia o mesmo. Só que para parecer tão bem, foi necessário incomodar quem estava com ela e depois todo mundo do bar. Quem se juntou à ela, ainda teve que se contentar com a cerveja quente depois e pouca conversa, o objetivo inicial do encontro.

Eu venho de uma família em que a fotografia é tradição desde os tempos do lambe-lambe, amo fotos, só que também gosto que a festa, os encontros e eventos sejam tão bons quanto às imagens que verei anos depois. É claro que meu cérebro não vai se deixar enganar por imagens que parecem perfeitas, ele não me poupará do que achei ruim vir à tona.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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