Bicho do mato, bicho da cidade

Bicho do mato, bicho da cidade

Ônibus do tipo lotação, metrô, shopping… Na vida de seres urbanos, mais do mesmo; para a meninada criada com o pé na terra vermelha, atração turística. Pelo menos nos anos 90, na minha meninice,  era assim. O que era odiado em metrópoles rondava os meus sonhos. A excursão para Belo Horizonte era tão esperada quanto para as históricas Ouro Preto e Diamantina. Para garantir a ida de todos até rifa fazíamos e ninguém em Ibitira se negava a financiar sonhos de quem só via ruas movimentadas na televisão. O zoológico também estava no roteiro, junto com a voltinha de metrô e passeio no Aeroporto da Pampulha.

Não sei se para fazer gracinha ou pela inocência, as viagens para a capital mineira rendiam pérolas inesquecíveis. Um colega ouviu que o almoço era a la carte e logo agradeceu, saiu dizendo que preferia a carne de panela na gordura do que lagarto. Onde já se viu andar tanto para correr o risco de passar mal com a iguaria?

Na estação eu custei a entender porque tanta cara amarrada para comprar o bilhete, diziam que o trem era bom demais, chegava rapidinho. Formamos uma fila indiana, como na escola, em ordem de tamanho e o povo esbravejava. Já na faculdade é que fui entender a razão do desespero. E olha que sou amante do metrô, mesmo aquele lento de BH.

A lotação foi a atração turística que mais perdeu o encanto ao longo dos anos. Nos tempos de escola eu as admirava, moradora de BH pensava em táticas para sofrer menos com o aperto no busão. Engraçado é que o zoológico me pareceu sem graça diante da estação, shopping e outros. Deve ser porque eu conhecia muito bicho na roça, pegava-os na mão, pra que ver outros engaiolados se não podia brincar? Há relatos de que na excursão do anterior uma aluna havia chamado os hipopótamos de porcos gigantes. Meu Deus, tomara que nenhum belorizontino tenha escutado!

Hoje lembro da farra que era conhecer a cidade grande e vejo o quanto eu era iludida. Mas uma outra certeza me sacode: quem foi criado sem um interior ao menos para visitar desconhece o sabor de fruta no pé, cheirinho de estrume de vaca, banho de rio, passeio de bicicleta e me leva a crer que as escolas das cidades também deveriam ir pra roça.

Excursão para a roça 

E um amigo, com mais de 20 anos na época, criado em apartamento do Centro,confessou que nunca havia pedalado nem botado o pé na terra. Achei inadimissível, tratei de levá-lo para Ibitira. Uma das primeiras providências foi apresentar a magrela, ele subiu, segurei e quando soltei parecia que eu o empurrava ladeira abaixo nas planas ruas ibitirenses. O menino suava e falava em medo. Como assim? Respeitei a natureza urbana dele e o levei para outros programas do interior, desses ele gostou. Tomou banho na bica, bebeu Pon Chic, refri do Centro-Oeste de Minas, se deliciou com a comida no fogão a lenha da minha avó e foi em uma festa só com gente conhecida minha. Se fosse na época de menino acho que a coragem da infância iria falar mais alto e até ela andaria de bicicleta.

Por isso acho que as escolas da capital bem que poderiam levar os alunos para conhecerem pés de acerola, andar de bicicleta, ver vaca, se esbaldarem em um típico interior. A roça tem muito a surpreender os meninos da cidade, os Primos Zecas da vida real. Creio que iriam ficar tão embasbacados quanto a gente nas ruas de BH.

Com certeza eles iriam colecionar pérolas diante do desconhecido. A julgar por meu amigo, rapaz crescido, com medo de levar um tombinho de nada do alto de uma bicleta, imagino o quanto iriam ficar surpresos com engenhocas encontradas e saboreadas na roça.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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