Filhos ilhados

Filhos ilhados

Distância ou ausência de pai e mãe é mão que se solta de criança na multidão. As lonjuras transformam qualquer filho, de 5 ou 30, em ilha – uma pessoa cercada por problemas e saudades de todos os lados. Aprende-se a viver com o que se tem por perto, não sem sofrimento, como náufragos a procura de resgate e consolo.

Filhos, mesmo casados, sem pai ou mãe por perto, ainda estão ilhados. Eu, pelo menos, escuto ligações do meu marido para a mãe e ela, não eu, fica por dentro de novidades importantes em primeira mão. Confesso, também é com meu pai que desato a maioria dos nós na garganta e procuro meus remédios, até me curo. É comum, depois dos telefonemas, um questionar o outro: “uai, mas quando foi isso?”. Talvez tenha acabado de acontecer, talvez não. Pode ser uma dor crônica, nunca revelada ao par.

Às vezes tudo se resolve ou perca a força só de falar com os pais. Eles sabem o que dizer ou só de ouvirem já ajudam. Pai e mãe é quem tem este dom, tirar o peso com palavras ou ouvidos e corações abertos até dos problemas sem solução.

Porque na verdade o que filho quer, em algumas situações, é carinho e atenção. E depois que a gente cresce é mais fácil ainda conseguir. Quando crianças e adolescentes há uma responsabilidade maior de dar duras. Grandes, feitos, casados, boa parte do trabalho foi feito. 90% passa a ser escutar, dar amor, consolar, principalmente quando não há muito o que fazer.

Quantas vezes já apareci com um problema e depois de falar, chorar, a tristeza havia ido embora? O problema continuava lá, sem solução, mas o sufocamento que ele me trouxe tinha ido embora graças ao meu pai ou minha mãe quando ela estava por aqui. Acho que é por isso que até hoje falo com ela. Até a escuto quando conto meus problemas ou novidades felizes. Nada a ver com o além, é coisa de mãe e filha conectadas por causa de uma missão que na Terra foi muito bem cumprida.

Verdade é que pai e mãe até calados fazem bem. E nada muda isso: marido, esposa e, acredito, filhos. São os melhores ouvintes. Eles que entendem-nos desde antes de a gente nascer. Sabem o que o olhar e gestos querem dizer. Pai e mãe é cura. Filhos sem eles são crianças em meio à multidão ou ilhas, desertas.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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