Anjo na cozinha

Anjo na cozinha

Lá em casa o cozinheiro de mão cheia sempre foi meu pai. Minha mãe até fazia uma boa comida, mas não gostava, dizia que fazia qualquer serviço de casa, menos pilotar o fogão. E assim era até que meu pai passou um tempo trabalhando fora. Sem escolha, começou a cozinhar. Comida simples, bem feita, gostosa. Um problema: queríamos manter a tradição do franguinho de domingo e ninguém sabia picar o bicho, eu era a mais velha com uns 12 anos de idade e nem ovo sabia fritar. O recurso foi recorrer a vó Maria, que fazia um dos melhores almoços que já comi.

Todo domingo era a mesma coisa: comprava o frango, levava na casa da vó e saía com ele picado de lá. O prato principal de domingo estava garantido. A previsão da estada do meu pai fora foi esticada e eu, por mais que fosse como neta da Maria, comecei a ficar sem graça de ter que ir na casa dela levar o frango de sete em sete dias. Aí pedi para ela me ensinar a picar. Quando foi o domingo seguinte, piquei o frango sem nem contar pra minha mãe. Quando ela perguntou já estava no ponto de ir para a panela, nesse momento é que soube que eu tinha esquartejado o bicho.

Foi um estardalhaço só. Minha mãe morria de medo de mim na cozinha por causa do tanto que eu era desastrada. No dia eu até me senti ofendida. Todas as minhas amigas sabiam fazer comida e eu ia pelo mesmo caminho que minha mãe. O pior é que não era uma escolha minha, mas impedimento dela. A alternativa encontrada foi aproveitar as férias na casa da minha avó Zeni para aprender a preparar um almoço. Minha avó e tia tinham a maior paciência do mundo e eu voltava para Ibitira cheia das receitas, decidida a provar que eu podia cozinhar.

Sabe o que acontecia?

Dava tudo errado. Ao fazer os bolinhos de chuva espalhei a massa por toda cozinha. Inventei de fazer pipoca na panela de pressão e queimei a pipoca, a fumaça se espalhou pela casa, parecia até um incêndio. Sem contar quando me mudei para Divinópolis, vivia em uma república e minha mãe chegou para uma visita justamente no dia que esturriquei um bife.

Com o tempo eu melhorei e até fiz bons pratos sem causar nenhuma bagunça, a não ser o dia que inventei de fritar um ovo no micro-ondas e o dia que a panela não deu pressão, a água do feijão secou e ele saiu de lá para a lata de lixo.

Acho que era mais coincidência minha mãe chegar quando um desastre estava prestes a acontecer do que eu ser ruim de panela. As mães têm um certo dom de aparecer para ajudar quando tudo está prestes a desmoronar e e acho que o problema era esse, vinha sempre que eu precisava. Tanto que depois de mudar para Belo Horizonte, onde ela não gostava de ir, eu cozinhava sem problemas, agora, casada, também, salvo um ou outro leve acidente gastronômico. Sempre que a carne muda de cheiro ou que parece que a panela está muito tempo no fogo lembro, quase escuto, minha mãe falar para eu tomar cuidado na cozinha. E lá vou eu, com meus quase 30 anos seguir os conselhos dela sem que diga nada.

 

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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