Sofro de alegria reversa

Sofro de alegria reversa

Ontem eu me deitei e não conseguia pegar no sono. Minhas costas doíam, as articulações também. Tomei meu tarja branca, um calmante natural para conseguir relaxar. Estranho é que eu estava muito satisfeita, feliz além da conta, empolgada, ligada. O estado que eu vivenciava estava longe de ser tristeza, baixo-astral. Pensei que fosse euforia, pois a intensidade de tudo que eu passava me levou a crer nisso. Não era, o dicionário me disse. Eufóricos não sentem a dor que eu sentia.

Dei o nome de alegria reversa, um tipo tão extremo que chega a me fazer mal, como se fosse um efeito-colateral da minha satisfação imensa. Acontece com frequência. E mais esquisito ainda é que quando a tristeza resolve me atazanar, o sono vem pesado. Dormir torna-se mais simples porque enquanto estou adormecida meu pensamento dá uma trégua. É o único jeito de eu deixar de enlouquecer, por horas.  Quanto alívio!

Eu sofro de alegria reversa há um tempo. Certa vez fui medicada com Fluoxetina, remédio que vicia de tanto bem-estar que provoca. Quase morri. Passava mal, o sono passava longe de mim. Cheguei no médico com olheiras profundas, mas feliz, entusiasmada e com um alegria que me batia. Ele trocou por Sertralina, usada para o mesmo fim, no entanto a fórmula deve ter me deixado menos alegre. Parei de apanhar da alegria, voltei a dormir, a ter tranquilidade para pensar.

A alegria reversa deixa meu pensamento a mil por hora. É tanta empolgação que só consigo viver o que sinto, sem agir muito. Às vezes observo o gatilho que me deixou tão “bem”, por muito tempo, até que eu me canse e as dores comecem a fazer que eu procure algum analgésico ou meu calmante a base de maracujá.

Felicidade nunca deveria ser demais, mas pra ela também vale o ditado, clichê verdadeiro, de que tudo que é demais sobra. O que preciso é de equilíbrio. A alegria não tem permissão pra me tirar do prumo, me paralisar e até deixar dolorida, oras! Acontece que é tão bom ficar de bem que o cérebro deve mandar um comando para que eu viva um dia inteiro de alegria, da forma mais intensa que eu conseguir. Só que a reversa me faz perder até a noite, horas preciosas de sono.

Efeito colateral da alegria excessiva

É um efeito rebote do que deveria ser bom demais. Talvez meu apreço por filmes dramáticos venha daí. Eu gosto das histórias que me fazem chorar e sempre as procuro quando estou bem demais. É uma espécie de remédio para minha alegria reversa. Saio da minha vida e passo a ver a do personagem, me entristeço por ele, choro, o exagero da minha felicidade se sente incomodado e se vai. As dores também me deixam e durmo melhor. É claro que gosto dos dramas tratados com leveza e boas doses de humor, senão caio é em desespero e a alegria se anula totalmente, deixa de existir.

Acho que é a serenidade que escapa quando estou alegre reversamente. A alegria ocupa todos os cantos e de tão grande transborda, tem espaço nem para a serenidade me dar a paz que preciso. Quantos ais a alegria reversa me traz. Mas ainda é melhor que dias insonsos ou a tristeza que só o sono profundo dá um jeito, momentâneo.

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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