Alegria artesanal

Alegria artesanal

Sempre que olho as vitrines das lojas de roupa, em que a mesma estampa aparece em várias peças, penso que a minha casa, na infância e adolescência, lançava a própria coleção. Era comum o mesmo tecido ser usado na bolsa e na almofada ou nos vestidos, blusas. Éramos uma família artesanal. Minha mãe estava sempre a fiar ou em alguma costureira pra fazer as nossas roupas.

Assim, a cada estação tínhamos roupas novas no guarda-roupa. Na verdade, a cada ano é que uma nova coleção era lançada. As velhas roupas, exceto as que ainda serviam por causa da fase de crescimento, eram tiradas para doação para dar lugar às novas. Além das peças feitas, roupas compradas completavam a coleção anual lá de casa. Normalmente, no final do ano em uma ida à Divinópolis, a Capital Mineira da Moda. Comprávamos tudo de uma vez. Não tinha essa de roupa nova toda hora. Ficávamos um dia inteiro nas lojas. Eu, minha irmã, minha mãe e mais alguma amiga da família. As camisas, calças, cuecas e bermudas do meu pai e irmão também eram compradas nesta viagem.

Uma vez ou outra eu não fui e minha mãe escolhia por mim. Eu nem sempre gostava, mas aceitava sem reclamar. Eram minhas novidades para os próximos 12 meses. Porém, só depois de grande descobri o porquê da renovação anual do vestuário. Tudo em nome da economia! Em Divinópolis, quando comprávamos mais peças, as roupas saíam com preço de atacado. Pra cinco pessoas o valor poupado era significativo. É por isso que minha mãe se empenhava tanto em me convencer a levar peças iguais com apenas mudanças de cor ou estampa. Porém, na época, ir à Divinópolis era esperado com muita ansiedade, o dia era de alegria. Eu nem ligava se precisasse comprar roupa com o mesmo modelo.

turma em inhotim

A bolsa foi feita com o mesmo tecido de uma almofada que tinha lá em casa

Só que eu gostava mais era das peças feitas ou encomendadas por ela. Era difícil ver outra roupa ou bolsa igual, a não ser com ela. Isso, na minha adolescência, pra uns era originalidade e pra outros  breguice. Eu mesma, depois de um tempo, me questionei sobre a beleza das peças. Ontem, ao olhar para as fotos deste tempo, fiquei com vontade de voltar a me vestir com as calças, vestidos e blusas feitos sob medida, sempre com um ar hippie. Eu era uma pessoa mais colorida, cheia de detalhes. Hoje o preto, branco e cortes básicos tomam conta do meu vestuário. Tá certo que naquele tempo eu não tinha reuniões, entrevistas, porém, deu uma vontade, nas horas de lazer, de me vestir igual antigamente!

Acho que hoje eu daria uma maneirada nas cores. Não poderia contar com os bordados e invencionices da minha mãe também. Entretanto, ela sentada no sofá era sempre sinônimo de uma bolsa ou roupa original em vista. Parece que eu entristeci ao longo do tempo ao tentar ser mais básica mesmo quando ficava feliz ao ver uma roupa mais fluida, indiana, à la Woodstock. Ou foi não ver minha mãe no sofá e em Divinópolis comprando as roupas lá de casa que me deixou meio pra baixo, opção mais próxima da realidade e sem nada de poesia.

Acho que é porque minha mãe cuidava da minha felicidade até no arremate de uma blusa. Outras prioridades apareceram na minha vida e o tempo pra pensar em roupa ficou pequeno, nunca foi meu assunto preferido também. Eu sempre me preocupei mais com livros, músicas, estudos e cada vez mais com trabalho. Entretanto, ao me olhar no passado lembrei que havia uma felicidade ao ver uma roupa nova, colorida ou uma bolsa com o mesmo tecido da almofada.

A vontade de resgatar as peças artesanais é o desejo de ter essa alegria bestinha pra mim de novo, dessas que de tão miúdas passam despercebidas ou parecem menores quando são vividas.

amigas em mariana

Eu e a amiga Gabi, também bem artesanal, em Mariana. A bolsa foi feita por minha mãe e a calça na costureira

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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