A verdadeira razão

A verdadeira razão

Dizia odiar cachorros. Todos os animais de estimação, mas os cachorro mais ainda. 1,82 cm, voz grossa, jeito firme ao falar. O cheiro, o trabalho, os gastos, tudo entrava nos porquês de detestar o bicho. Ela foi apaixonada pelos Boys que teve, pinschers xarás que da infância e adolescência, e pela Keka, uma yorkshire que merecia uma xará também, de tão linda, especial… Porém, acostumou-se com a ideia de viver sem cães. Para ela, cachorro era que nem gente, gostava de alguns, de outros não fazia questão. Nenhum dos dois maltratava-os e decidiram, como casal que nunca tem filhos, viver sem cachorros.

Feito. Só que ela descobriu que o odiar cachorro era uma questão que ia além do gosto. Ela realmente ficava por entender. O moço tinha o coração bom, impossível ser tão avesso aos cães, assim, de graça. Ela evitava questionar, pensava: todo mundo tem direito de não gostar de bicho, pessoas, coisas, desde que não transforme o gosto em motivo para desrespeitar. E o rapaz agia desta forma, sem amar nunca fez nada de mal aos animais, nem aos cães, os mais odiados por ele.

Mas um dia, os dois foram para a casa da avó da moça: um verdadeiro canil. Para lá iam os cães que os filhos achavam difícil cuidar, os que a dona queria e os que apareciam. Sim, virava e mexia chegavam cães sabe-se lá de onde e faziam do sítio morada. A namorada avisou que lá tinha cachorro, no singular, para evitar que ele desistisse de ir passear. Já no portão veio a pinscher, o vira-lata e lá embaixo uma cadela do tipo caçadora americana latia sem parar.

– Por que não me avisou?, perguntou bravo.

– Avisei, falei que aqui tinha cachorro, deu de ombros.

– Falou em cachorro, e não desse tanto.

Daí começou a peleja. Ela abriu o portou. O rapaz falava: “sai tiu, sai tiu, sai tiu” – em loop. Quando a moça se sentou na garupa novamente ele interrompeu o repeteco e pediu que ela caminhasse ao lado dele. Sem entender, mas para compensar a meia verdade contada, ela foi bem devagarinho ao lado dele. Foi aí que ela compreendeu, o problema não era exatamente odiar cães, mas ter medo deles.

1,82 cm, homem feito, voz firme ao determinar que na casa que ele morasse era proibido ter cachorro. Realmente, fazia sentido, mas por causa do medo e não do preço da ração, cheiro, trabalho…

Escritor por Talita Camargos Veja todos os textos deste autor →

Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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