A salvação do cachorro caído da mudança

A salvação do cachorro caído da mudança

Já vi muita gente salvar o animalzinho com ajuda veterinária, mas o Vitinho se safou quase que totalmente sozinho de muitas poucas e boas. Filhote de uma ninhada de seis cães, ele foi parar no lar de uma pessoa que dizia querer muito um cachorrinho. Só que o tratamento que deram a ele não foi dos melhores. Com poucos dias na nova casa, o cachorro só ficava na rua, todo sujo.

A dona da mãe do filhote via tudo com olhos de quem sentia pena. A gota d’àgua foi o dia que um carro passou por cima do rabo e resolveram cortá-lo com uma faca. Vitinho chorou tanto que a doadora escutou e foi até lá ver o que estava acontecendo. Afinal, ela tinha uma loja de materiais agrícolas e poderia pedir a veterinária que trabalhava no estabelecimento para dar uma olhada. Ela foi recebida com naturalidade pelos donos e ficou chocada ao saber o que tinha acontecido. Justamente com o pretexto de acabar com a dor dele, levou-o embora e com o passar dos dias pediu para ficar com ele. Além da amputação, ela tinha notado o número de pulgas e outros problemas. Não devolveu e os donos nem reclamaram.

Só que a casa já tinha uma cadela, a mãe de Vitinho, e pouco espaço para mais um. O jeito foi pedir que a mãe ficasse com ele no sítio. E assim ficou combinado: ela o receberia no fim de semana. Estava tudo combinado e a moça colocou Vitinho na carroceria da caminhonete. Quando chegaram ao sítio, o cachorro havia sumido.

Ela chorou, se culpou e perdoou várias vezes. Pensou que pudesse ser alguma providência divina para tirar a vida do cão que já havia sofrido muito. Ao mesmo tempo, acreditava que o cachorro poderia estar ao relento e sofrer mais ainda do que na casa da família adotiva. A mãe dizia que ela não tinha culpa, mas também se preocupava por enxergar como lei, dever do homem,  proteger os animais.  

O assunto tomou conta do final de semana e das preces de todo mundo. Na volta pra casa, a moça foi bem devagar com esperança de encontrar o cachorro caído da mudança. E nada. Chegou em casa, olhava para a mãe do cachorro e chorava. Um dia, a veterinária foi na loja agropecuária e ela comentou com lágrimas nos olhos sobre o cão. Somou-se mais uma pessoa na lista dos que tiveram pena dele.

E as rezas pela vida de Vitinho continuavam. Certa vez, a moça não aguentou e pediu a Deus um sinal. Teve um pesadelo com o cachorro morto na beira da estrada. Mas depois de dez dias do desaparecimento um milagre aconteceu. A veterinária foi em uma fazenda a uns quilômetros de lá e escutou um choro canino no caminho. Parou e reconheceu: era o Vitinho em carne e osso, ou melhor, pele e osso, magrinho que só, por estar na rodovia.

Só que a parte da magreza foi só até ele chegar ao sítio para onde ele seria levado. Engordou e ficou satisfeito com a nova vida. Quando a moça chegou com o cão para a mãe ela disse:

— Tadinho, parece que veio a esse mundo para sofrer.

— Veio não minha filha, só no início mesmo, de hoje em diante Vitinho terá vida de rei.

E assim tem sido desde que foi levado para lá. O único problema agora é quando a caminhonete da moça chega, ele corre como quem foge da morte. Um trauma do episódio chocante, que o tempo se encarregará de tornar irrelevante.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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