A negligenciada inteligência prática

A negligenciada inteligência prática

Olho para um chuveiro estragado e vejo duas soluções: comprar um novo ou levar para consertar. Minto, via. Atualmente, nem preciso substituir ou pagar alguém para arrumar chuveiro, TV ou outro aparelho que estrague, meu marido sabe. Os mais preconceituosos devem pensar que é porque sou mulher. Quem me conhece deve ter ficado espantado com o início do texto, que parece ser uma ode às habilidades supostamente masculinas. Não é nem uma coisa nem outra. Meu pai quando um chuveiro estraga diz logo que odeia eletricidade e desconfio que aos 60 nunca trocou um, apesar de saber como fazer muitos outros consertos. Em um bate-papo semana passada, um amigo me falou que faz como eu, leva para o conserto ou compra um novo. Concluímos: não temos inteligência prática.

No sábado ela me fez muita falta. Ao organizar um chá de lingerie, quase nada do que eu e uma prima pensamos para a decoração deu certo, não conseguimos executar com facilidade. No final ficou tudo bonitinho, bem aos trancos e barrancos, com doses de estresse e ajuda de quem chegou depois. Sei que pode ser uma habilidade desenvolvida, mas, naturalmente, no momento, é penoso. Nem pareço filha de jardineiro e de uma mulher que fazia pintura, bordado e tantos outros trabalhos manuais.

É por isso que sei bem como inteligência é desdobrável, ampla… Só que cismam em enxergá-la como uma só. Vale a que está escrita em livros, dá títulos, resolve problemas matemáticos. Eu tenho certeza que não é bem assim.

Vejo minhas avós enxergarem soluções para quase tudo sem nenhum diploma. Vejo meu pai deixar muito mestre sem palavras em algumas discussões e ao arquitetar jardins. Vejo meu marido olhar o que deu defeito e colocar funcionando em três tempos. Pra mim tudo isso é inteligência prática, um tipo que ainda estou a anos-luz de ter.

Daí é assim: me perderia em problemas de rotina se não fossem pessoas como eles. De nada adiantam meus diplomas nessas horas.

Inteligência é algo muito além do que se diz ou lê. E quem pensa que consertar coisas, criar ou encontrar solução para o que é simples é só habilidade treinada eu digo que não. Há uma frase que fala que inteligência não é o que se sabe, mas o que se faz do que se sabe. E vejo que os práticos aplicam muitos mais conhecimentos do que todos os ensinamentos que já me passaram.

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Talita Camargos é jornalista e flerta com a literatura, procura inspiração em conversas de ônibus, flores, familiares e amigos. Idealizou o Texto do Dia e publicou nos 365 dias de 2015 neste blog como desafio pessoal.

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